sexta-feira, 29 de junho de 2007

24=2

Portanto os dias agora arrumam-se assim, em ciclos certos de doze. Até me dá vontade de rir, a redondez do número, a sugestão de rotineira regularidade. Acorda às oito e adormece às vinte, ritmo mais escolhido por ele do que por mim. Mais minuto, menos minuto, que eu até já desisti dos relógios de pulso. As primeiras doze são longas, ainda mais longas desde que os sonos da tarde foram terminantemente recusados. Tento equilibrar cozinhados, limpezas apressadas, compras imprescindíveis, necessidades da gata e da cadela e jogos, desenhos, plasticinas, saídas, brincadeiras e quase nenhuma televisão. São simultaneamente lentas e apressadas, cheias e vazias e chego sempre às vinte cansada de tanto malabarismo caseiro e com a sensação de não ter feito nada. Das segundas doze gasto pelo menos sete a dormir (seis na melhor das hipóteses ou quando não consigo parar de ler...) e pelo menos três a pré-cozinhar almoços e jantares do próximo dia, a lavar, estender ou passar calções e t-shirts multicoloridas, limpar pós, lavar tachos, endireitar almofadas... Nas poucas que me sobram faltam-me energias e ânimos...

quinta-feira, 28 de junho de 2007

eu não tenho sono e não vou para a cama

As irresoluções nasceram lá, na casa velha, como ele agora lhe chama sempre. O miúdo a argumentar com aumentos nos centímetros e casas de legos para tijolar e eu umas vezes em sins e outras em nãos. Nãos pelos jantares mal digeridos no meio de birras e de pálpebras quase fechadas e sobretudo pelas pilhas de roupa por passar e pós para limpar e trabalhos para adiantar. Cá as indecisões ainda cresceram mais, desrotinaram os dias, desregularam as horas. Tarde com sesta, deitares desorados, acordares a meio da manhã; tarde sem sesta, birra ao jantar, deitares mal-dispostos, acordares cedo. Manhã calma, tarde sem sono; manhã passeada, sesta pequenina; manhã corrida, sesta prolongada, noite cantarolada até às onze, onze e muitos... Os meus dias irritados, desesperados, curtos, curtos, cada vez mais curtos...

Na segunda, enquanto a banheira enchia e o peixe refogava, adormeceu no sofá. Coisa rara, o miúdo deixar os cansaços vitoriarem. Fiz o novo horário mais depressa do que o jantar e acabaram-se-me as hesitações. Agora é banho às seis e meia, jantar às sete, cama às oito. Sem sestas. Janta bem, ainda brincamos e cantamos e lemos as estórias. E faz menos birras.

E eu ganhei cinco horas. Cinco! Incrível a quantidade de coisas que se faz das oito à uma!

quarta-feira, 27 de junho de 2007

um dos meus preferidos


Andy Warhol, Ten-foot flowers, 1967

o preferido dele


René Bertholo, Barco ancorado, 1971

terça-feira, 26 de junho de 2007

no museu berardo

Ainda me detive nos vai-não-vai, mais nos não-vai que nos vai, que eu sou um bocadinho avessa às numerosidades dos primeiros dias, agora desde que o tenho ainda mais. Mas na segunda à noite o Mário disse-me das notícias, que eu é que estou em lisboa com quarenta e tal canais na televisão mas ele é que me relata telejornais e enquanto passava a ferro as músicas inaugurais lá ao longe convenceram-me. Fiquei-me pelos vai e fui preparando o miúdo pelo caminho, Agora vamos ao museu. Tem escorregas? Não. E carrinhos, tem carrinhos e binquedos? Não, filho. Tem livros? Não, não é a biblioteca, é um museu. Tem quadros, muitos quadros. Ah, então é para ver e pensar, não é? Pois... sim, é mais-ou-menos isso, sim... Mas... mamã, não há meninos, desiludiu-se nas entradas. Mas há garrafas e quadros e outras coisas giras, tentei eu compensá-lo, a calar os já quase compulsivos não corras e não grites e não podes mexer em nada e poramordedeus não me fujas para não começarmos mal. E até começámos bem. Esteve com muita atenção no dois, gostou do menos e só no debaixo sem menos é que resmungou fomes e sedes e colos e vontades de brincar. Claro que teria preferido mexer nos quadros (pois, eu sei, as sujidades, os estragos, mas percebo-lhe tão bem estas vontades de passar as mãos pelas tintas...) e beber água e comer bolachas dos dinossauros e jogar às escondidas atrás dos 364 suisses morts mas acho que até gostou. Veio a debitar pintores e estilos, elegeu preferidos, contou cores, descobriu estórias e imagens sentado no chão em frente aos abstractismos, não fez nenhuma birra. Ganhou um lanche nos pastéis de Belém.

Eu se calhar tinha preferido os vagares de ver e ler e fotografar sem filho acoplado. Ou, agora que penso nisso a sério, se calhar não. O Gostei muito do museu final compensou as pressas e as desatenções. Ainda hei-de ter saudades, das pressas e desatenções...

segunda-feira, 11 de junho de 2007

lista de tarefas

Vou-os reencontrando, acontecimentos telegramados no caderno, na agenda e aqui em draft. Quero escrevê-lo, este primeiro mês aqui em lisboa, enquanto as imagens não empalidecem. Mas onde é que arranjo horas para ir encher o pretérito de palavras se no presente já me não cabem todos os a fazer planeados enquanto o cheiro a pão quente me entra pela janela?

domingo, 10 de junho de 2007

os deuses que fizeram o céu e a terra

Ohhh... é poquê choveu? Poque é que vieram as nuvens deitar água? Não devia chover. Não devia haver céu. Não deviam pôr céu.
Não deviam pôr céu? Mas quem, filho?
Os senhores que fizeram o planeta terra, claro. Assim nunca chovia nem era noite e via-se o saturno e o plutão.

sábado, 9 de junho de 2007

o prenúncio das águas

E agora, ao mesmo tempo que aqui escrevo a nossa tarde, oiço estas gotas inoportunas de junho a molharem-me o estendal e a diluírem ruas e casas de pó colorido e antecipo os desgostos da manhã, tanta advertência durante os esponjamentos e os panados para nada, Não varras o chão, não? E não laves, nem com a esfegona nem com a mangueia, tá bem? E não estendas roupa a pingar, ouviste? Pometes? Acho que vou imitar a Rosa e acompanhar os cereais de canela do pequeno-almoço com uma adaptação livre de um outro dilúvio, Era uma vez uma aldeia que ficou submersa.

um euro e vinte e cinco cêntimos


Hoje somámos semáforos piscapiscadores, uma escola de janelas coderrosa, um lago, um hotel, um hospital e uma farmácia. Gizou os telhados, todos os telhados de todas as casas, de vermelho curo, que o miúdo já anda um bem-falante mas as acelerações e as preguiças ainda lhe desprefixam e desufixam muitos vocábulos, inventou flores sorridentes e exigiu-me um sol na parede, Assim as senhoras nuvens não vêm deitar chuva para apagar a aldeia. E foi um corrupiar de amigos-táxis e de amigos-autocarros e de amigos-comboios em demoras de três dias e um infectar com constipações e gripes e vomitamentos, todos a caminho do médico no hospital e dos xaropes na farmácia...

E eu, espectadora de risos felizes e depois desencardidora de joelhos, pernas e mãos empoeiradas, Já viste que pareço o Elmer, mamã?, apaziguei de vez estas inquietações que de quando em vez me assolam, se as brincadeiras em euros são mais alegres do que em cêntimos. Como no um de junho em que o gigantismo dos embrulhos transportados por pais e mães de crianças ausentes me deixaram duvidosa quanto ao livrinho baratinho de dinossauros ferozes com dentes e patas e asas de pegar e despegar, será que o meu puto era mais feliz e birrava menos se eu hoje lhe desse um carro telecomandado ou uma mota barulhenta?

Mas os dinossauros são lidos e reinventados, Olha mamã, assim é o rex com as asas do pteranom e assim é um stegosauo com o rabo do ba... brachiosauo e o pó do giz invade o quadro, o chão e as mãos todos os dias. Não sei se brinquedos caros e grandes fazem meninos felizes mas sei que uma caixinha de paus de giz deixa o menino cá de casa muito feliz.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

aldeia de giz


Hoje gizámos uma aldeia colorida nos dezasseis metros quadrados de cimento lá de trás. Estradas com muitas curvas e virares à direita e à esquerda, duas pontes por cima de um rio habitado com peixinhos e tartarugas, piscina e parque infantil, muitas casinhas, mecânico, restaurante, bomba de gasóleo, bosque e campo de futebol mantiveram um menino e os seis camiões-habitantes felizes, entretidos e sempre em movimento. E, no fim, mais arcoirizados do que o chão.
Amanhã acrescentamos semáforos, um hotel e uma escola.