domingo, 30 de setembro de 2007

um, dois, três, um livro de cada vez


A última não lhe rende grandes créditos pela originalidade que vem importada directamente do livro mais recentemente emprestado pela biblioteca, o Cotãozinho e os seus irmãos. Muito elmeriana, a estória, o único cor-de-rosa no meio dos cinzentos, a valorização da diferença, mensagem importante para exportarem para a vida de adultos. Ele farta-se de rir com os cotões, a D. Maria e o aspirador. Eu cá gosto mesmo é das ilustrações da Carla Pott.

Cotãozinho e os seus irmãos, Daniel Barradas e Carla Pott, Dom Quixote

sábado, 29 de setembro de 2007

o corpo humano


Amanheceu tússico, ranhoso, febril e agastado. Aborrece-me, este lado da vida escolar, que me devolve um miúdo fatigado nos fins de tarde e adoentado nos fins-de-semana. Caseirámos, até porque o dia também amanheceu molhado, a ver se melhora, e exauri-me entre pinturas, plasticinas, livros e comboios, que o miúdo quase não se entretém sózinho e quando está doente os Mãe, brinca comigo! agravam-se em quantidade e volume. Valeram-nos os fantoches que afinal não foi preciso comprar porque ainda estavam encaixotados na casa velha pacientemente à espera dos crescimentos dele. Falsetei meninos, animais, o Pai Natal e o palhaço Rui em espantos com um corpo não de pano.

Oh menino, o que tens aqui?
É uma boca!
E para que serve?
Para entrar a comida.
E isto?
É o queixo, é para me queixar.
E o cabelo, para que serve?
Para se lavar, claro!
E isto aqui em cima?
É a testa, é para pôr a mão e ver se tem febre.
E o nariz?
Para deitar ranho e tirar macacos.
E as orelhas?
São para abanar, assim com as mãos, vês?
E as mãos?
Para segurar os dedos! Senão caíam...
E as pernas?
Para dobrar. Assim! Vês? Pa baixo, pa cima, pa baixo, pa cima... E isto são os pés, para calçar os sapatos.
E a barriga?
Para guardar a comida, claro! E o estôgamo também é para guardar a comida!
Hum... e este buraquinho, o que é?
É o bigo! Serve para nascerem os cotõezinhos!

Guardo o momento anatómico do dia. A ver se amanhã há menos ranhos e menos chuvas que acho que já esgotei os recursos todos do entretenimento caseiro...

sexta-feira, 28 de setembro de 2007


Há sempre bocadinhos dele espalhados pela casa.

do que não muda

Hoje estava um amola-tesouras na rua ali detrás, onde antes muitas vezes amanhecíamos com a Doris e onde agora muitas vezes entardecemos com ela. É uma rua apertada, que não vai ter a sítio nenhum, de um lado quintais e do outro um seguimento de casas baixinhas. Imagino-as frescas, às casas, com uma cozinha desafogada e um quintal nas traseiras bom para fazer crescer um limoeiro e cheiros para o jantar. Às vezes há velhotes sentados nos degraus da frente que me dizem Boa-tarde, menina, esse cão tão grande não morde no menino?, e há uma gaiola com um canário e uma gata malhadinha que nos analisa em sustos de uma janela. E há ainda a buganvília, verde e rosa forte a agigantar-se de uma parede, e o miúdo apanha sempre raminhos Toma mamã, para ti, que nos matizam jarras e copos pela sala e cozinha e mo recordam enquanto ele medra na escola. Uma rua alentejana escondida no meio da cidade grande. Hoje estava lá um amola-tesouras. Com a bicicleta e a música, que eu gosto tanto da música, lembra-me as (mínimas) partes doces da infância, o ir a correr com a tesoura desfuncionante, ficar a ver os giramentos, voltar a correr e dividir o papel na perfeição com o que antes já só rasgava. A água que aparecia um ou dois dias depois. Magia, o amola-tesouras era um dos mágicos da minha infância, curava tesouras e convocava nuvens. Sorri-me e interpretei-o ao miúdo. Sabe, a minha avó dizia sempre que os amola-tesouras trazem a chuva, disse-lhe, com pena de não ter em casa uma tesoura avariada. Um céu asseado, despovoado de cinzentos. É coincidência, menina, coisas que os antigos diziam. Espantei-me. Eu aqui a oferecer-lhe poderes quase divinos, influências climatéricas, e o homem a desdenhar responsabilidades com as pluviosidades. Desconsolei-me. Um amola-tesouras que não faz a chuva comparecer não é um amola-tesouras.

Já em casa o meu marido recém-chegado dos trezentos e muitos quilómetros que nos solitarizam as semanas riu-me Então os amola-tesouras em Lisboa são urbanos, está-se mesmo a ver que não querem ter nada a ver com essas crenças campestres! Desconsolei-me outra vez.

Acabei de ouvir as previsões. Dão chuva para o fim-de-semana. Afinal há coisas que não mudam. Afinal posso perdurar estes encantamentos mágicos no meu miúdo. Sabes porque é que amanhã vai chover, querido? Por causa daquele senhor das tesouras que estava ali na rua das casinhas...

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

ainda do domingo


Pelos Uau! Que bom! É hoje que vamos! entusiastas com que acolheu a minha proposta matinal prognostiquei logo a desnecessidade de solicitações de atenção e silêncio. Mas o Museu da Marioneta ultrapassou espaçosamente as nossas expectativas. Tem um itinerário simpático, escurinho com madeiras vermelhas, um conjunto grande e diversificado de marionetas diferentes (de sombra, de luva, de vara, de fios e máscaras) e de diferentes origens, cenários, adereços, cartazes. E, muito melhor do que tudo o resto, tem espaços para os miúdos mexerem, testarem, brincarem e assistirem. Dragões e princesas e passarinhos-sombras, bruxa e palhaços-fios, mágico e pirata e soldado e menino-luvas. Nos respectivos teatrinhos. Assistiu às minhas improvisações com medos e risos e intrigou nomes e acções sem querer parar nem vir embora. No fim ganhou um livrinho simpático que nos vai render desenhos e conversas em casa. Oh mãe, tens que me comprar fantoches! Pois tenho, querido! E acho que vamos voltar aqui mais vezes!


do domingo


Ser nuvem colorida. Voar.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

do sábado


Fazer uma pescaria de algas ali no jardim da frente, com a Doris agarradinha a ele para se indemnizar dos passeios eremíticos da semana. Almoçar a sopa feita a meias com as algas pescadas (alface em língua de crescidos sem imaginação). Ouvi-lo dizer portanto. Ter saudades do pai. Ficar na biblioteca a ler livros e a fazer puzzles. Ouvir a Filipa chamar-lhe o nosso utente mais jovem. Empurrá-lo no baloiço do parque. Ouvi-lo dizer geralmente. Jantar devagar, sem os sonos a mestiçarem com o garfo. Ler-lhe três estórias antes de ir dormir. Ouvi-lo dizer Os dias contigo, mamã, são melhores que na escola.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

mais ou menos online

Preconceituei-me logo assim que o vi. Tinha-o configurado magrinho, assim dioptrado e a dialogar naquele jargão mais inglês do que português. Vício tonto e inútil este, o de criar pessoas a partir de vozes ao telefone, palavras em livros e vislumbres de salas em janelas. Este, achado meio ao calhas nas páginas amarelas, avolumou-se na porta e desapontou-me radicalmente as imaginações. Um cabelo enformado em gel com os óculos artisticamente equilibrados no penteado, um perfume intensamente adocicado, um Ken celulóidico desterrado de um cenário de cabeleireiro ou de loja de roupa onde encaixaria perfeitamente. Logo eu, que se tivesse uma filha lhe esconderia as Barbies como (por enquanto...) escondo os Action Men do miúdo. Nossa, quantos anos tem esse cachorro tão grândji aí larrrgado?, os érres de um interiô distante mais interessados numa Doris que abana o rabo a qualquer incógnito do que nas minhas queixas informáticas travaram-me as insurreições Largado? Qual largado, que vai à rua três vezes por dia, e não é cachorro, é uma cadela com sete anos! a tempo, que as diferenças não estão só na musicalidade das falas. Dois dias no máximo, diagnosticou, limpar o vírus, baixarr o XP, formatarr, sábado o mais tardar tá cá com você. Ignorei os érres a mais, que xenofobias por cá não há, e fiz por ignorar o perfume e o cabelo gelizado, que preconceitos também não. E depois fui ficando cada vez mais neurótica, que isto de ter os sorrisos do miúdo entregues a um coração rígido é descuido indesculpável e fui telefonando manhãs e tardes em ansiedades com os backups e quando os Talvez e os Só amanhã me soaram demasiado repetidos e os zeros orçamentais duplicaram, desisti e exigi o bicho de volta, problemático, errático e virulento tal como foi. Velho e voluntarioso mas com os cinco gigabites de risos do miúdo intactos e com a caixa aqui à espera de palavras. E isso é que conta.

Penso num bicho novo enquanto me afadigo a passar-nos para corações-R.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

mais ou menos offline

Continuo atrasada, na vidinha e no blogue. Um qualquer vírus com nome de cavalo histórico recompensa-me com erros os retardos e os desleixos...

domingo, 16 de setembro de 2007

castanhas encaixotadas


Do jardim do Campo Grande trazemos ouriços-caixeiros, que são assim umas caixas com picos onde as árvoles guardam uns frutinhos castanhos.

sábado, 8 de setembro de 2007

primeiros

Hoje diospirámos os três pela primeira vez. Acho sempre engraçado, as estreias em família. O pai esquisitou mas eu e o miúdo engraçámos com os frutos que parecem sóis. Dióspiros, elucidei-o eu. Ah, pois, é porque devem dar muitos suspiros!, logicou. Um destes dias batemos as claras com o açúcar e enfornamos os ais dos dióspiros.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

o dia a seguir ao primeiro

Tu hoje vem-me buscar só a seguir ao lanche, tá bem?

Já consegui fazer alguma coisa. E lembrei-me que posso ouvir música.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

quinze e trinta

Mamã! Que bom que chegaste! Olha! Tem brinquedos! Carrinhos! E um tractor verde! E dinossauros, olha o triceratops! Voltamos. Ele a preencher os silêncios, cansado, imundo, mal-cheiroso, feliz. Feliz. Amanhã vou outra vez, tá bem?

catorze

Hesito. Fará falta ou não? Devo ou não devo? Acabo por telefonar. Que sim, que comeu bem o segundo prato, que até repetiu. Que comeu pêssego. Que com a sopa fez fita, só comeu cinco ou seis colheres. Que agora anda lá fora, a brincar com os outros. Que até tem estado calmo. Agradeço. Respiro. A casa continua vazia. E silenciosa. Deambulo de um lado para o outro, de olhos nos ponteiros. Os desenhos dele no frigorífico, o camiãozinho do lixo Este chama-se Pivete, mamã!, em cima da mesa da cozinha, os crocodilos ferozes na banheira. Não faço nada. Tanta coisa para fazer e eu aqui, estática, a medir minutos...


Avião sem asa, fogueira sem brasa
sou eu assim sem você.
Futebol sem bola, Piu-Piu sem Frajola
sou eu assim sem você.

Amor sem beijinho,Buchecha sem Claudinho
sou eu assim sem você.
Circo sem palhaço, namoro sem abraço
sou eu assim sem você.

Tô louca pra te ver chegar
Tô louca pra te ter nas mãos
Deitar no teu abraço, retomar o pedaço
que falta no meu coração.

Neném sem chupeta, Romeu sem Julieta
sou eu assim sem você.
Carro sem estrada, queijo sem goiabada
sou eu assim sem você.

Por que é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim.
Eu te quero a todo instante,
nem mil alto-falantes
vão poder falar por mim.

Eu não existo longe de você
e a solidão é o meu pior castigo.
Eu conto as horas pra poder te ver
mas o relógio tá de mal comigo.

Por quê? Por quê?

Adriana Calcanhoto, Fico assim sem você

nove

Foi. Fomos, eu e ele, de mão dada, pelas relvas onde geralmente amanhecemos com a Doris, pelo sítio dos bolos tão gostados, pelo jardim dos patos. Olha, o eléctrico! Olha, o autocarro que vai para a Praça da Figueira! Olha, o sol! Também vais à escola, senhor sol? Sempre, sempre o mundo traduzido em decibéis, os pulinhos a abanarem-me a mão, a desentorpecerem-me os pessimismos. Ficou bem, a brincar. Abracei-o com muita força, A mamã gosta muito, muito de ti e vem buscar-te antes do lanche, combinado? Ainda fui lá acima burocratizar batas e mensalidades e actividades e quando desci, janelei-o de mansinho. Sentado, sossegado, de avião na mão, em conversas com um Afonso de olhos grandes. Voltei, apressada, sózinha, sem intérprete para as pequenas maravilhas dos dias, a mão orfã de puxões e apertões, os Cuidado com os carros! e os Não saias do passeio! ausentes. Estranhei a casa, o silêncio, as almofadas direitas no sofá. A gata deitada na cama dele, a cadela expectante à porta. Se eu acreditasse no cristo das igrejas agora punha-me a rezar Ó Deus faz com que desta vez corra tudo bem...

terça-feira, 4 de setembro de 2007

o dia antes do primeiro

Então mamã, é hoje? É hoje que vou à minha escolinha?, palavras e olhos ainda ensonados. Alegro-me com as impaciências, sinal que esqueceu a má experiência anterior, e guardo as apreensões. Não, meu amor, é amanhã, já falta muito pouco.

animónimo


Olha mamã! Diz aqui Simão! Vês? Um ssê, um i, um mê, um a, um o. E tem um cão! Este cão chama-se Simão como eu! Podemos levar este?

O primeiro desaconchegado das prateleiras só por ele.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

tesouro


O miúdo traz mapa. Eu é que me desencaminho muito facilmente.

três de setembro, quinze horas

Escrevo por linhas tortas, coisa incomum e desabitual em mim, uma batotice num blogue que permite leituras de outros. Mas hoje escrevo por linhas tortas, que as palavras doem-me e ainda não estou pronta para as endireitar. Escrevo sobretudo para memorizar a data e para memorizar o miúdo mais tarde. Ou talvez nem sequer venha a fazer falta torná-las inteligíveis. Mais dois anos, aos seis, disse ela. Mas falta tanto, para os seis. Eu sei lá onde moro, se ainda tenho um blogue, se ainda gosto de roxo, se ele ainda faz birras, daqui por dois anos...
Hoje fomos lá pela quarta vez. Eu e ele, no autocarro preferido, o percurso todo, que aquilo fica longe que se farta, na ponta oposta de lisboa. O miúdo a mochilar brinquedos e contentamentos por ir ver a Paula, que ela tem carris e um comboio polícia e senta-se no chão a brincar com ele. Eu apática. Na primeira vez chorei, na segunda ansiei. Ele tinha vinte e três meses e não engraçámos com a outra, que não falava e parecia ligeiramente adormecida. Na terceira, talvez há um mês atrás, quando conhecemos a Paula, ía calma e ele adorou-a logo, Tem muitas cores, mamã. Desconcentro-me sempre um bocadinho e perco-me nos raciocínios e no discurso coerente, mas ela até dá entrevistas bem estruturadas para jornais e revistas e sorri e conversa. Hoje limitei-me a ir apática. Mais uma rotina, chegamos, estamos, voltamos, pensei no meio dos solavancos do autocarro, com uma vaga vontade de estar na praia. E, de repente, quando já não procuro respostas, ela disse-o. O que perguntámos logo na primeira vez. Com reticências de dúvidas, mas aventurou um talvez e eu nem sequer exultei um Ah! Então isso já eu disse! Continuei apática. Neste caso ter razão é uma derrota.

Saímos. Afoguei-nos as mágoas nuns crepes com gelado e chocolate, uma estreia para ele. E enquanto o via acastanhar mãos, cara e roupa percebi que não mudou nada. Não muda nada. É só um nome. Nós gostamos uns dos outros, e isso é que muda tudo.

n de não gosto

Sabes o que diz aqui no pacote da alface, mamã?
Sei pois querido. Diz Salada de chicória frisada, canónigos e rúcu...
Não, não, estás a ler mal. Diz assim Os meninos de quatro anos não devem comer alface. Vês? Aqui, estas letras, é aqui que diz. É por isso que não me podes dar alface.

domingo, 2 de setembro de 2007

galeões, submarinos e moliceiros


Eu tinha lá nos primeiros lugares da lista este e este mas os repisamentos Porque é que não vamos ao museu dos barcos? foram tantos que hoje retomámos a nossa rotina dos domingos de manhã com o museu da marinha. Afeiçoou-se e empenhou-se, que das reproduções pequenas das caravelas iniciais aos barcos de pesca a sério finais nem precisei de ralhar nem de pedir decrescimentos nos decibéis. Não consegui foi silenciar-me, que os Diz-me lá porque é que... estão cada vez mais inexauríveis. Nas diferenças de tamanho entre naus e caravelões, na demonstração dos astrolábios, na utilidade do moliço, no significado de contra-torpedeiros, na explicação das baleeiras e das traineiras cansei-me de me ouvir. Ele não, que ainda há não menos de dois minutos me veio aqui questionar sobre os nomes dos aviões que aterram na água e sobre barcos a vapor...

sábado, 1 de setembro de 2007

sistema maternal

Hoje, amanhã, segunda, terça. Quarta começa. Assusto-me com as descontagens. Quatro dias. Só faltam quatro dias. Respiro fundo e declamo confiantemente as minhas falas. Elogio-lhe a escolinha amarela, as maioridades, os divertimentos com os outros meninos, as tintas. Digo-lhe que vai ser bom e que ele vai gostar muito. Minimizo-lhe as ansiedades e as preocupações com os almoços, Mas porque é que não me vais buscar para vir almoçar a casa?, com mastigações divertidas em grupo. Respiro fundo outra vez e torço para não estar a mentir.

Vamos deslocar-nos. Os nossos dias vão passar a ser os dias dele e os dias meus. E isso é bom e é mau. Temo-nos orbitado um ao outro nestes quatro anos e quatro meses, revezando-nos entre planeta e satélite, e agora independentizamo-nos. Vai assumir-se pequeno planeta luminoso com uma rotação própria no sistema escolar. E eu gosto de o ver crescer pessoa, gosto muito, mas pergunto-me se teremos tempo, depois. Tempo para desenhos, tempo para apanhar flores, tempo para jardinar futeboladas com a Boba, tempo para brincarmos ú-ú-ú com os comboios, tempo para nos fartarmos um do outro... Pergunto-me se não nos sobrarão só os preceitos, banho, cortar unhas, secar cabelo, jantar, abrir a cama, preparar roupa do dia a seguir. É que eu gosto tanto dos despreceitos...

E, à medida que os dias decrescem, parece que crescem as tarefas finais. Listo lavar sandálias, fazer bainhas, comprar ténis, remendar joelhos do inverno ultrapassado, marcar bata e mais um sem fim de banalidades. Irrito-me. Invalido a lista dos tenho-que no balde dos reciclados. Fazemos gelatina de morango. Congelamos e descongelamos água e pão e bolo e pintarolas, Olha, papá, estamos a fazer experiências! Comemos queijadas de requeijão. Deixo-o ganhar quase sempre no jogo da glória. Lemos estórias. Pintamos versos de fotocópias antigas e mãos. Lavamos a loiça a meias.

Não é um satélite. Nunca foi. É um asteróide e eu é que o orbito. Já com saudades.