quanto mais me bates...
Das sete vidas que em princípio lhe couberam em sorte, a nossa gata já gastou quatro. Uma num confronto desleal com um gato da rua, rixeiro e de unhas aguçadas, onde ganhou, para além de um valente susto, a primeira anestesia e os primeiros pontos. Outra na primeira operação, em que deixou na veterinária, juntamente com os ovários, um montinho de pequenos e indesejáveis nódulos. A terceira foi-se, de certeza absoluta, na segunda operação, mais nódulos e o sistema mamário completo. Recuperação muito difícil, complicações no pós-operatório, a veterinária preparou-nos para a perca quando os drenos infectaram horrivelmente e a pele da barriga apodreceu (infelizmente é esta a palavra correcta...) e caíu. Miraculosamente, na noite em que a achámos incapaz de continuar, começou a ronronar e a comer. Magra, magríssima, cheia de ligaduras e de sangue e de pus, a ronronar. E a comer. Uma valente! E a quarta, na terceira operação. Mais uns maldosos nódulos, que insistiram em aparecer e crescer mesmo sendo tão malvindos. Recuperou depressa mas ainda vive encarapuçada, com uma ferida que teima em preguiçar a cicatrizar. Quase onze anos, quatro anestesias, vários antibióticos e quatro vidas a menos, aguentou sempre estoicamente e sem redarguir quer os mimos exagerados quer os agressivos puxões e empurrões e palmadas e apertões. Ontem, depois de muitos avisos e até ameaças de castigos, Larga-a, estás a magoá-la, ela está a queixar-se, apareceu-me ao pé do refogado, orgulhosíssimo do merecido e minúsculo arranhãozinho num dedo, uma minimez que nem sangue verteu, Olha mamã! Ela arranhou-me! Ela góta de mim! Lá lhe expliquei apressadamente os amores e desamores enquanto mexia cebolas e tomates e esperei que o troféu finalmente (mal) conquistado lhe aligeire as demonstrações de afecto e lhe adoce as pequenas ruindadezinhas...
Ah, e é claro que não ralhei com a gata!
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