sem céu
Quando cá chegámos era um arbustinho, raízes a sobrarem num vaso pequeno, folhas a empalidecerem por ausências de sol e de atenção. Oferecemos-lhe uma nova casa na terra, demos-lhe espaço, água e adubo e expectámos, duvidosos da sobrevivência. Em sete anos (já aqui estamos há sete anos? Como é que um provisório se infinitou tanto?...) alturou-se, engordou-se, clorofilizou-se. Tornou-se apoio de ninhos, poleiro de pardais e de melros, céu de quintal, sombra de dias quentes, vedação de olhares de vizinhos curiosos, cabide de mobis e espanta-espíritos. Foi a primeira árvore que sombreou os sonhos exteriores do meu filho ainda bebé, as primeiras folhas em que tocou, o primeiro tronco que abraçou e em que fez cucus. O canto dos pássaros ritma-nos as brincadeiras diárias, o vento nos troncos embala-nos os sonos. Numa casa em que não gosto de quase nada, este ficus e a palmeira que nos nasceu por acaso lá à frente são as duas únicas coisas a deixar-me saudades na hora de mudar.
Agigantou-se. As raízes, subterraneamente, silenciosamente, agigantaram-se também. Ameaçam-nos o equilíbrio do chão, a verticalidade do muro, o abre-e-fecha do portão. Parece que não há alternativas. Parece que temos que a cortar. Custa-me. Custa-me muito. Porque é jovem, forte, bonita, verde. Porque é errado cortar árvores. Porque a sinto nossa. Porque não são só raízes, troncos e folhas, são memórias. Também da infância, dos crescimentos e das brincadeiras do meu filho. Sinto-me desprotegida. Sinto o meu filho desprotegido.
Desculpa árvore.
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