a caixa
"Um dia um homem disse assim:
- Vou fazer uma caixa para pôr lá dentro as minhas coisas. Quero ter todas as minhas coisas dentro de uma caixa, porque assim ninguém mexe nelas.
Ora muito bem: e o que é que o homem tinha? Uma casa, um automóvel, muitos livros e discos, e uma cama, um sofá, uma mesa e umas cadeiras... E para tudo isto ele decidira fazer uma grande, uma enorme caixa e meter lá dentro tudo: o automóvel, a casa, as cadeiras, etc., etc. Bem, tinha que começar a fazer a caixa. Comprou uma placas de madeira, um bocado maiores do que a casa (que era a coisa maior que ele tinha) e começou a tirar as medidas das placas, e a cortá-las para depois as juntar com cola e com uns pregos enormes, e assim construir a caixa. Andou nisto sete anos, tanto mais que só trabalhava aos fins-de-semana porque durante a semana tinha um emprego que não lhe deixava tempo livre para andar a fazer caixas. Cortou, pregou, despregou, colou, descolou, mediu, desmediu, e quanto mais a caixa crescia mais o homem ficava pequenino. Ainda por cima, durante esses sete anos, foi comprando mais coisas, de maneira que cada vez a caixa tinha que ser maior, para lá dentro caber tudo.
Finalmente, ficou pronta a caixa! Só faltava pôr as coisas lá dentro! O homem comprou então um guindaste muito grande e com o guindaste arrancou a sua casa à terra e pô-la dentro da caixa. Depois, fez o mesmo com o automóvel e com os livros e os discos, a mesa, as cadeiras, a cama, o sofá, e com tudo o que entretanto tinha comprado. Depois de tudo lá metido, meteu-se ele também dentro da caixa, todo contente por o trabalho estar terminado. Mas depois pensou:
- Ainda está uma coisa minha fora da caixa: o guindaste! Como é que eu o vou trazer para dentro? Não posso transportá-lo com o guindaste, porque o guindaste já é o guindaste!...
De maneira que o homem pensou, pensou e resolveu abrir uma grande porta num dos lados da caixa e por essa porta puxar para dentro o guindaste. Claro que isso lhe custou bastante, mas ao fim de muitos trabalhos lá conseguiu puxar para dentro o guindaste, que por sinal ocupava um espaço enorme e não servia para nada, visto que já estava tudo dentro da caixa! E então o homem pensou: Bom, esta porta que eu abri agora na caixa até me dá jeito, porque quando quiser sair para o meu emprego com o carro saio por aqui.
Pronto. O homem sentou-se todo satisfeito, mas depois reparou: Está escuro aqui dentro, não se vê quase nada. E se eu fizesse uma janela na caixa? É isso, vou abrir duas janelas mesmo aqui por cima da porta.
E assim fez. Assim é melhor - pensou, e adormeceu contente.
No dia seguinte saiu com o carro pela porta que tinha feito na caixa, foi para o emprego e voltou à tarde, todo ansioso por ver a sua caixa. Era estranho porque, vista de longe, a caixa parecia mesmo uma casa. E o homem pensou: Mas, afinal... esta caixa é igual à minha casa! Tem janelas e uma porta como tem a minha casa, e tem lá dentro as minhas coisas, como tinha a minha casa. E ainda por cima, tenho agora uma coisa que ainda não está dentro de uma caixa: é a minha caixa! A minha caixa! A minha caixa ainda não está dentro de uma caixa!
E o homem pôs-se a pensar que se queria que todas as suas coisas estivessem dentro de uma caixa, então tinha que fazer uma caixa para a caixa, e quantas mais caixas fizesse mais caixas tinha que fazer. Ora bolas, tanto trabalho para nada! - pensou o homem. - Vou mas é desfazer a caixa.
E assim fez. Partiu a caixa aos bocadinhos, e ficou assim com lenha suficiente para o resto da sua vida. Todas as noites punha um bocadinho da caixa no fogão da sala, deitava-lhe fogo e, todo contente, ficava a olhar para o lume e para os restos da caixa que não tinha servido para nada, a não ser para se aquecer."
A Caixa, in Contos de Sérgio Godinho
Quando o meu filho era um menino decidi fazer este blog-caixa-casa, para poder pôr cá dentro os nossos dias de agora e ficar com lenha suficiente para nos aquecer os dias da frente.
2 comentários:
Espero que esta caixa vá crescendo mais e mais. hoje reli tudo de trás prà frente.
Obrigada, meu amor.
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