segunda-feira, 30 de junho de 2008

jantar quentinho

E no fim, depois de um Este arroz de frango está mesmo delicioso, redime-nos aos dois com o Eu sou um bocadinho salgado mas tu, mamã, és muito doce. Salgo-me tantas vezes e mesmo assim saibo-lhe a açúcar...

domingo, 29 de junho de 2008

where the wild things are


"Na noite em que o Max vestiu o fato de lobo e fez asneira atrás de asneira a mãe chamou-lhe Diabrete! E o Max disse Vou-te comer! E ela mandou-o de castigo para o quarto sem jantar.

Nessa mesma noite cresceu uma selva no quarto do Max. E cresceu e cresceu até o tecto se encher de trepadeiras suspensas e as paredes se transformarem no mundo em seu redor. E o mar surgiu ondulado com um barco privativo para o Max. E ele navegou noite e dia, semana após semana durante quase um ano até onde os diabretes moram. E quando chegou ao lugar onde os diabretes moram eles rugiram os seus terríveis rugidos e rangeram os seus terríveis dentes e rebolaram os seus terríveis olhos e mostraram as suas terríveis garras. Até que o Max disse Quietos! e amansou-os com o truque mágico de fitar os seus olhos amarelados sem nunca pestanejar. Ficaram tão aterrorizados que lhe chamaram o maior diabrete do mundo e tornaram-no rei dos diabretes. E agora, exclamou o Max, que a festa dos diabretes comece.

Agora parem! disse o Max. E mandou todos os diabretes para a cama sem jantar. E o Max, o rei dos diabretes, sentiu-se sózinho, com vontade de estar onde alguém o amasse mais que tudo no mundo. De repente, à sua volta, vindo do lado de lá do mundo, sentiu um cheirinho apetitoso e desistiu de ser o rei de onde os diabretes moram. Mas os diabretes exclamaram Por favor não te vás embora! Vamos comer-te! Gostamos tanto de ti! Mas o Max disse Não! E os diabretes rugiram os seus terríveis rugidos e rangeram os seus terríveis dentes e rebolaram os seus terríveis olhos e mostraram as suas terríveis garras, mas o Max entrou no seu barco privativo e disse-lhes adeus e navegou durante mais de um ano, semana após semana, e um dia inteiro e noite dentro até ao seu próprio quarto onde encontrou o jantar à sua espera. E ainda estava quentinho."

Não percebo porque é que ainda não encomendei os desenhos animados preferidos em forma de livro.

o rei dos diabretes

Eu não gosto de bater. Nem de ralhar nem de gritar nem de me irritar. Eu não gosto mesmo nada de bater. Sobretudo quando a palmada, que se calhar devia ter aparecido logo nos princípios, se vai adiando e por isso surge destemperada e agastada, no auge do exagero dele e da falta de paciência minha.

Eu não gosto mesmo nada de lhe bater. Assim, exasperada, desesperada, depois de tudo o resto ter falhado.

E também não gosto de castigos. Mas hoje castiguei-o. Que o miúdo anda refilão, malcriado, desafiador, desadequado nos comportamentos às pessoas e às situações. Confirmaram-mo a educadora e a auxiliar, mas nem fazia falta, que eu já o tinha entendido nas chegadas e nas largadas. Só comigo está bem. Assim que mais alguém se adiciona hiperactiva-se em desenfreamentos, gritos e palavreados impróprios. Desgastam-me tanto, as bipolaridades deste miúdo, os extremos, a falta de meio. Depois das palmadas, dos gritos, das conversas, das contagens até vinte (e trinta e quarenta e...), dos ignorares e dos dez minutos a pensar na cadeira falharem redondamente, receitei-lhe o castigo no quarto. Anti-pedagógico, desaconselhado, causador de traumas e mais etecéteras psicológicos.

Sinto-me, também eu, de castigo.

o mundo ao contrário

Um, dó, li, tá,

cabeça de amendoá...

Não é cabeça, é cara, filho, cara de amendoá. Não, é cabeça, cabeça é mais giro do que cara, pode-se dizer como se quiser.


Um, dó, li, tá,
cabeça de amendoá,
um segredo coroleto,
quem está livre, livre está.


Rala-me, este habitual fazer (e dizer) sempre ao contrário.

sábado, 28 de junho de 2008

férias de verão minhas

O que eu gostava de dizer Não tenho nada para fazer...

férias de verão dele


Pedir-lhe auxílios tornou-se a melhor resposta aos Não tenho nada para fazer... constantes assim que me desocupo dele. Lava a loiça, varre, alimenta a cadela e as tartarugas, rega a mini-horta, põe e tira as molas no cesto, soma a alface e o tomate e a cenoura à salada, vigia o peixe que nos enche o rectângulo lá detrás de cheiros e de fumos. Sabe-me bem, fazermos estas coisas em duplicado, embora a maioria dos préstimos me atrase mais do que me acelere, mas incomodam-me as queixas com o sobejo de tempo e a míngua de ocupações. Depois diz outra vez Não sei o que fazer... e eu lembro-lhe lápis de cera e aguarelas e bolhas de sabão e legos e a pista dos comboios e um alguidar-lago lá fora para os pinguins e focas e baleias e tubarões se mergulharem e refrescarem. E depois diz outra vez E agora, o que é que eu faço? e eu rio-me e cantamos e lemos, mas apetecem-me resmungos sobre os meus três meses e tal de férias de verão de pequena e como inventava entreténs e como não andava atrás dos adultos a pedinchar inspirações. Mas parece que é geral, o mal, e que há colégios e empresas a programarem centenas de actividades diárias para manterem crianças ocupadas e pais descansados. Parece que até há psicólogos a defenderem as vantagens das actividades versus as desvantagens das crianças desocupadas a terem que puxar pela criatividade para se divertirem. Tempo de qualidade, aposto que lhes chamam tempo de qualidade, a este não saber brincar.

Eu cá prefiro mantê-lo em casa. Desocupado e pelos vistos com tempo sem qualidade. Porque isto de aprender a estar e a brincar parece-me importante...

grelhada dourada

Hoje grelhámos uma dourada grande para os dois ali nos metros quadrados do fundo. Ou, como ele insiste em enganar-se, dourámos uma grelhada. Aborreço os calores excessivos destes meses mas engraço com os cardápios de saladas, grelhados e frutas coloridas.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

encerramento

Chegou-me há dois ou três dias em jeito de manjerico de cartolina e papel de seda. Nem lhe perguntei se tinha sido ele a fazê-lo que o O que é isso que a Maria te deu? quando começámos a descer as escadas respondeu-me logo em antecipação. Já me habituei, a estas manufacturas de natal e páscoa e carnaval e dias de pai e mãe e convites menos de um quarto feitas por eles. Confusa-me um bocadinho, pensar que em mais vinte e cinco casas há girassóis e caixinhas e manjericos gémeos dos meus, com as letras desenhadas da educadora a imitarem as grafias antigas da primária. Eu cá preferia um desenho, como os que todas as tardes me enchem as costas de papéis que já não servem, o quadro mágico e o chão do quintal, em que as mãos feitas sóis e o simão com o ésse deitado e o til encavalitado entre o a e o o não me deixassem dúvidas sobre as proveniências. Para o agrupar com justeza aos muitos que vão enchendo a caixa dos riscos de menino. Assim nunca sei muito bem o que fazer a estes tarecos que sei muito ajudados e pincelados e colados com instruções precisas para "ficar bonito" e "não sair por fora" e "não borrar".

Levei-o de branco e azul, como lá pedia, e fomos, que achei feio argumentar calor a mais e falta de vontade para descomparecermos. Eu não gosto disto. Das reuniões, das festas, da obrigação de sorrir e estar com adultos que desconheço e que daqui a menos de um mês provavelmente nunca mais vou ver. Intimido-me. Desconforto-me. Calo-me muito. Falta-me a mão do pai, para não me sózinhar tanto no meio das famílias de dois pais, irmãos, às vezes quatro avós e meia dúzia de tios e primos e amigos. Somos poucos, nós, lembram-me ainda mais estas circunstâncias.

Os miúdos enfileiraram-se confusamente num arremedo de marchas populares, debaixo de um sol abrasador e de uma música escandalosamente ensurdecedora, balbuciaram umas palavras confusas que deviam rimar, limpar com cantar, coração com mão, adeus com olhos teus, essas coisas assim, tropeçaram nos passos dos da frente e do lado, muitos dos mais pequenos encolheram-se e choraram quando viram aquela multidão de objectivas a tentar captá-los sorridentes e bem-dispostos e bem-ensaidos. O meu miúdo sorriu-me e acenou-me muito, num óbvio falcatruar do preparado, de braço dado com uma Cláudia amuada porque a mãe não chegou a tempo. Senti vontade de chorar, ali debaixo dos trinta e tantos graus escaldantes, pelos crescimentos e sorrisos felizes do meu filho e pelos não-sorrisos dos meninos que procuravam os pais sem os verem. Esquecem-se, as educadoras, que há pais que não conseguem estar, e que isso deve custar muito. Depois deixei-o correr por ali um bocadinho, esforcei uns sorrisos e comentários, desembrulhámos umas rifas despremiadas e escapulimo-nos da música estridente e do caldo verde e sardinhas que pressupunham horas e cavaqueiras. Refugiámo-nos nas sombras do parque, barulhento só de risos e vozes de meninos desconhecidos. E enquanto o via baloiçar e escorregar contente, protegida pela magnólia que cada dia floresce mais pétalas brancas, perguntei-me das utilidades destes eventos. Os miúdos não me pareceram especialmente contentes nem divertidos. Os pais e as mães pareceram-me especialmente preocupados com as fotografias. As educadoras pareceram-me enervadas e esfalfadas. Brincar livremente o fim-do-ano não seria mais divertido - e fresco - para todos?

sexta-feira, 6 de junho de 2008

os nomes das ruas

Há lugares em Lisboa onde apetece mesmo morar.