sábado, 30 de dezembro de 2006

estórias do dia

Ao meu colo, a folhear um dicionário de alemão-português:
Era uma vez um dinossauo que andava a passear e ficou peso numa ávoe. Não conseguia sair, tava peso de uma códa. Depois veio um tigue e ajudou-o. Foram passear juntos e acabou. É uma bela tóia.
O quato (4) pedeu a péna e o pé. O um ajudou-o a pócurar.

das prendas - 2


Foi diferente do ano passado. Aliás, vendo bem as coisas, foram todos diferentes uns dos outros. No primeiro tinha oito meses e os incisivos de cima a magoar-lhe as gengivas e a azedar-lhe os humores - já de si não muito adocicados... Rabugento, febril e quieto, ignorou os brinquedos, mexeu nos papéis, chupou as fitas e adormeceu. No segundo, com vinte meses, um pouco menos rabugento mas enérgico e a antecipar os terrible two, atirou os papéis ao ar, passou-lhes por cima e por baixo, gatinhou e pulou e correu pelo meio deles até berrar ensurdecedoramente por irem para a reciclagem e só aí ligar aos brinquedos. No terceiro esmerou-se na greve de fome mas, para nosso grande espanto, abriu calmamente as prendas. Virou, revirou, brincou, passou as páginas uma a uma, tentou montar, pôs a funcionar até sermos nós a apressá-lo Então e os outros? Não abres os outros? E brincou imenso sózinho(!) nos dias a seguir, sobretudo com as zelós, nome quase ininteligível para as cavadozas de agora, que na altura eram os brinquedos de eleição. Neste o mau feitio imperou. Chegou ao vinte e quatro à noite mal-disposto, frenético, birrento e respondão. Não fosse o despropósito para a ocasião ainda me passou pela cabeça um castigo no quarto, uma vez que as moscas e as ameaças das ausências de prendas davam o resultado contrário ao pretendido. Eu não góto de bacalhau, eu não góto de caninha, eu não góto de salada de futas. Eu góto muito de filhozes, eu góto muito de bolo de cocolate, hum, é muito bom, eu góto muito dete bolo. Deitou-se já passava da meia-noite, depois de deixar os ténis ao pé da árvore, mais leite e bolos para o Pai Natal e uma cenoura para o Rodolfo. Melhorou quando viu as prendas todas iguais, com fitas de tecido vermelho, no vinte e cinco de manhã. Intuitivamente abriu primeiro o camião e o carro, pensou que o cavalete era uma cama (será que o pai natal não sabe que eu já tenho uma cama, mãe?), gostou das tintas, não se desapontou com os jogos, alegrou-se com os livros. Eu desfiz-me dos remorsos por à última da hora ter guardado um jogo, uns livros e uns carrinhos para os anos em Abril e senti como no ano passado que são preparativos a mais, compras a mais, cozinhados a mais, pressas a mais para depois terminar tudo tão depressa... Sobraram-me cansaços, restos no frigorífico e um ligeiro vazio. Ou desapontamento. Ou desilusão, não sei bem.

das prendas - 1

No meio de pesagens de abóbora e de claras em castelo e demolhas de bacalhau lá consegui desencantar minutos e paciências para a busca de última hora. Espantei-me sobretudo com as esperas desapressadas para pagar e para os embrulhos feios de supermercado e congratulei-me por ter comprado (quase) tudo a tempo. Enquanto o pai o distraía na fnac encontrei o carro (grande e azul) que ainda trouxe chaves e buzinadelas e luzes que piscam de bónus e sprintei até à garagem para o esconder no porta-bagagens. Metade já estava. O camião foi mais complicado. Quando ouvi pela terceira ou quarta vez Mas tem que ser grande? e Mas tem mesmo que ser azul? comecei a irritar-me com os gorros de Pai Natal, comigo, com o miúdo e com o mundo. Fui salva só no domingo à hora do almoço por uma daquelas lojas de artigos de praia em que a senhora pacientemente rebuscou o armazém (Sabe, no Inverno estas coisas guardam-se porque só se vendem no Verão) até desencantar um camião grande e azul . Também verde e amarelo e vermelho, mas sobretudo azul. Pronto. Demiti-me de duende, voltei aos tachos e esperei para ver como era o domingo de manhã...

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

querido pai natal


Desde que ele nasceu que vivo um bocadinho desorada. Também a desoras, que faço muitas coisas a horas impensáveis, depois dele adormecer e antes de acordar, mas sobretudo desorada. Sempre atrasada, raramente a horas, nunca adiantada. E eu antes não me atrasava e até me adiantava muitas vezes. Agora os ponteiros do meu relógio são (des)acertados por ele. Pela sesta dele, pelas noites dele, pelo almoço e lanche e jantar dele, pelas estórias para contar e brincadeiras para brincar. Eu quando estava grávida li os livros e sabia que não ía sobrar muito tempo para outras coisas mas não estava à espera de tamanha desorientação e durante tantos anos. Agora já desisti de usar relógio de pulso. Pelo menos não fico (tão) atrasada, apressada, esbaforida e histérica.
Claro que nos atrasei a escrever a carta ao pai natal. Os dias foram passando e só na segunda é que escrevemos, pintou, desenhou o carro e o camião, envelopámos (encontrei a morada aqui), exibiu a carta a todos os desconhecidos com que nos cruzámos, tirou selo da máquina, pôs no correio. Como o miúdo não entende patavina da logística dos CTT elucidei-o Amanhã chega lá, quarta e quinta fazem, sexta embrulham, sábado carregam no trenó, domingo à noite o Pai Natal traz, domingo desembrulhas. Isto, claro, se eu ainda encontrar horas e paciência para procurar um camião azul grande (Grande de que tamanho, filho? Enóme, mãe.) e um carro azul grande (Grande, também? Sim, mãe, um enóme.), que o miúdo não primou pela imaginação mas esmerou-se nas dimensões...

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

eu aviso-o, ele avisa-as

No carro, a caminho do supermercado, eu muito chata e repetitiva E vê lá se te portas bem e se não fazes birras e se não gritas e se não pedinchas os brinquedos todos e se e se. Birra! Vai embóia! Não vem praqui fazê anêia! Sai!, ao mesmo tempo que dá palmadas nas pernas.

s de simão, r de rita, c de boba


As letras sim, essas foram completamente por iniciativa dele. Começou quase sem eu dar por isso a perguntar se os ós eram zeros e que números eram aqueles por baixo dos desenhos e se o s de simão era um seis. Fui respondendo. Não sou muito apologista dos miúdos aprenderem a ler antes de ir para a escola. Eu comecei a ler aos quatro e a escrever aos cinco e depois passei a primeira classe muito chateada porque já sabia o que os outros ainda estavam a aprender. Lembro-me muito claramente da má sensação de não estar lá a fazer nada. Mas ele começou a perguntar-me e agora já sabe imensas letras e até já reconhece várias palavras e diz que quer sabê lê. Pede-me para ir correndo o dedo nas frases das estórias, reconhece o ponto de clamação e o de inteogaão, É uma pegunta, poi é?, quer saber para que serve o travessão e porque é que há letras grandes e pequenas, diz Olha! Um T! Um P! Olha! Um A! E um X de xixi! em matrículas, pacotes de leite, jornais, nomes de lojas. E eu, que tinha receios que os frenesins lhe trouxessem distracções, fico satisfeita com o interesse e a facilidade com que aprende mas apreensiva com a repetição de experiências. Não lhe desejo tédios em salas de aula. Pelo menos no início.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

dezaoito, dezanove, dezavinte

Claro que não foi por iniciativa dele. E eu também já não me lembro quando é que os aprendeu nem exactamente como. Das cores lembro-me que começámos por causa das bolas que acabavam sempre debaixo dos móveis da sala. E lembro-me que no princípio era tudo azul. Carros azuis, ruas azuis, meninos azuis, casas azuis, sopas azuis. E também me lembro que ainda falava muito mal. Amarelo era , cinzento ssassi, castanho taranto. Depois foi-se arcoirizando cada vez melhor e agora já exercita as gradações tipo creme e lilás e fúcsia (parece sempre uma palavra estrangeira, fúcsia, escrita e dita). Dos números calculo que deve ter começado com as idades, dois anos, dois anos e meio, vais fazer três, vês, estes dois dedos, estes três dedos. E depois uma bola, duas bolas, três bolachas, mais uma quatro. Acho eu, que as datas cada vez me falham mais. E como começaram a aparecer em todo o lado - preços nos supermercados, matrículas dos carros, sinais de trânsito, pacotes de comida - aprendeu-os num instante. Já deixou de confundir o 2 com o 5 e o 6 com o 9 e conta a correr até dez antes de berrar pontos ou não aí vou eu, quase não nos dando os segundos suficientes para nos enfiarmos atrás de portas e debaixo de mesas. Começou a tentar ultrapassar a barreira do dez - doze, têze, catôze, quinze, zassete, zanove - nas estórias antes da sesta e da noite (que depois de contar, recontar e rerecontar, é preciso ouvi-lo a numerar passarinhos e nuvias e flores e coelhinhos e todos os outros que por lá pululam) mas o denegrido advento é que veio encarreirá-los. Com os muda para o número a seguir, vê se há bombom, hoje é dia dezoito, já faltam poucos, ultrapassámos, quase sem eu perceber como, o dezavinte e o dezatrinta. Ontem, com hesitações e risadas (e pulos...) mas sem erros, foi do 1 ao 39. E depoi, mamã, é dezaquê? Para não me confundir mais com as datas, esta fica aqui: natal 2006, números acima do dez.
Ah, e a cor preferida continua a ser o azul. E quando lhe perguntam a idade responde sempre cinco ou sei com cara de gozo.

sábado, 16 de dezembro de 2006

advento

Há três natais atrás já queria um. Nesse ano não me sobraram horas para o procurar antes de dia um. O ano passado, nas poucas pausas dos espirros e tosses e viroses e diarreias, não vi nenhum de que gostasse. Deixei decidido Para o ano é que é. Este Outubro pensei fazer um. Mas não cheirava a Natal e sem cheiro a inspiração também não aparece. Se calhar devia ter feito umas fatias douradas para açucarar as ideias... Em Novembro fui hesitando entre barro ou tecido ou lã ou madeira e no meio das indecisões dei por mim no trinta. Contrariada carreguei-nos para o hiper e lá trouxemos um, feinho e impessoal q.b.. Quando o estava a pôr na parede, árvore e presépio do outro lado, velas, luzes e bolas mais atrás, resmungos meus e excitações dele, surgiu-me. Atrasado, mas surgiu-me. Tronco, tecido e barro, já a desoras para este ano, há-de vir para a parede no próximo Dezembro, que eu já o desenhei e em Outubro começo logo, com ou sem fatias douradas. O feiote, entretanto, tem-se redimido convenientemente da sua condição de não-desejado. Para além de evitar as centenas de hoje já é vinte e quato?, o Pai Natal já cá passa todas as noites e deixa bombons (mais uma estreia!) em troca de não birras e modos bonitinhos. E já houve de tudo: dias sem (custou-me muito ver a desilusão de manhã, ah pois custou...), dias de um e ultimamente dias de dois. E como a coisa feia me anda a adoçar o filho lá engoli a embirração com os números e o feltro demasiado vermelho. Que um filho docinho compensa quaisquer fealdades de supermercados penduradas na parede.
Mas para o ano faço um.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

simão e os verbos

. fizi-me um desenho
. o pai disseu
. o pai dizeu
. ito não cabeu
. ai! caí-me
. ai! bati-me com o joelho
. já di o papel ao pai
. pusi-me o carrinho no meu quato

. anda ir à rua
. anda vir à sala
. pa que quer sevir ito?
. já sabo cotar com a faca

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

bzzz, bzzz

Nunca concedi um segundo de hesitação a estas mentiras. Falo-lhe do Pai Natal como do vizinho da casa ao lado. Trato de lhe povoar a cabecinha com trenós carregados de prendas e renas sorridentes e duendes e fadas e gnomos e gigantes. E ele acredita, claro, que felizmente não tem quem lhe desminta as fantasias. Depois, por inevitabilidade, também aparecem os fantasmas e bruxas a voar em vassouras e monstros ferozes. E ele também acredita, claro, e às vezes tem medo. Mas como os bons ganham sempre no fim descansa e, até agora, não tem pesadelos.
Eu acreditei no Pai Natal até muito tarde. Quando ele se metamorfoseou em adulto conhecido a pôr as prendas no sapatinho lembro-me de ter ficado muito desconsolada. E quando atrás dele se foram evaporando sereias, princesas, fadas e dragões malvados ainda mais desconsolada fiquei. O pai, graças a um irmão mais velho cinco anos, não teve uma infância muito encantada. Muitas vezes temos-lhe notado uma certa desorientação nestes caminhos mágicos. Foi por isso que as moscas me surpreenderam tanto. Há uns dias, à hora do almoço, nos habituais não góto dito, não quéo comê, não tenho fome nenhuma, ito é uma pocaia, enquanto eu ía repetindo Olha que o Pai Natal está a ver e não te traz prenda nenhuma, que às custas de tanto ser repetido já não assusta, o pai aproveitou a mosca que inadvertidamente entrou pela janela para o ameaçar Olha que o Pai Natal tem moscas que andam por aqui a ver como os meninos se portam e depois lhe vão contar e patati e patatá e mais patati. Deu resultado! E estão em todo o lado: no quintal, na rua, no parque infantil, nas divisões de janela aberta... Já é ele que diz tá aqui uma môca do Pai Natal, e nota-se o esforço para se portar bem. E eu, que até nem simpatizo muito com os ditas, dou por mim a virar a cabeça à procura de uma...

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

brilha, brilha lá no céu...


Andou em contagem decrescente, ansioso É hoje? Não, é sexta, faltam três dias. Apercebi-me que fora o sábado e o domingo não se entende muito bem com a semana. Papagueia-os trocados. Segunda-feia, quinta-feia, têça-feia, sêta-feia, é hoje? Não, é amanhã. Na sexta-feira montámos tudo. A árvore, o presépio, as luzes. Antes dele tivémos outras, naturais, secas, estilizadas, reinventadas. Agora deixámos essas para o atelier e comprámos uma aqui para casa, artificial mas com o ar mais natural que uma artificial pode ter. E temos umas bolas que já têm quase tantos anos como a nossa história juntos. Já o mostram e acho que é sobretudo por isso que não tenho vontade de as substituir por umas novas. Antes dele também não tinhamos presépio. O ano passado, depois de várias hesitações, decidi-me por um José e Maria com menino ao colo, mais vaca e burro aos pés, que descobri ali numa lojinha em baixo e de que gostei. Ele desajudou o pai a montar a árvore, feliz e num grau de excitação desproporcional ao que a ocasião pedia. Perguntou do Jesus, confirmou se não é cavalo em vez de burro, respirou como a vaca, transformou fitas em lagartas e minhocas, subiu ao escadote, tentou jogar com as bolas, subiu ao escadote, soprou velas, subiu ao escadote, perguntou dos dourados, quase caiu do escadote... O pai disse que fazia sózinho, eu disse que fazia sózinha, ele imitou a Lola eu consigo fazê tudo sózinho. No finzinho, anjinho de tecido a segurar coração vermelho lá no alto, luzes acendidas, brindou-nos com a música da estrelinha. Aí é que senti o que é o natal, o meu natal, o que quero que seja sempre: bochechas coradas, voz desafinada, olhos a brilhar.

genes


O tal bisavô futebolista guarda-redes de primeira divisão que até saía no jornal também foi campeão de lançamento de peso e também fazia barcos de pesca. Treinava sózinho, na praia, saltos em altura e arremessos de pedras e, na noite de núpcias, deixou a mulher sózinha porque tinha um jogo importante. Dele, o meu filho parece ter herdado algum gosto por barcos (embora não fique mais entusiasmado com barcos do que com comboios ou aviões...) e por porcas e parafusos e chaves de fendas e muito pelo atiranço de pedras. É que é capaz de ficar horas na praia a atirar pedras à água e no fim ainda fazer birra que não se quer vir embora...
Por causa do tal bisavô o pai tinha Júlio na lista dos nomes para se for rapaz. Eu tinha Joaquim. Não chegámos a consenso com os jótas.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

quando é que me tornei tão chata?

Eu a limpar a banheira, depois de lhe ter dado banho e de o ter vestido. Ele no quarto dele. Chamo-o Oh Simão! Traz aí à mãe as toalhas que ficaram em cima da tua cama, se faz favor. Passado um bocadinho Então vens a arrastar as toalhas pelo chão? Para ficarem sujas? Oh mãe, são cóbas.

domingo, 10 de dezembro de 2006

nomes colectivos


Por causa de uns peixes em tacina feitos mais-ou-menos a meias chegámos ao cardume. Daí a cardumes de ovelhas, patos, ratos, cobras e melgas foi um segundo. Socorri-me do Elmer. "Era uma vez uma manada de elefantes". (Cá em casa adoramos todos o Elmer. Só temos o primeiro, que já foi lido e relido e decorado, teatralizado e desenhado e plasticinado... Temos que comprar os outros.) Agora sou bombardeada com perguntas o dia inteiro. E um gupo de aranhas? E um gupo de zebas? E de macacos? E de minhocas? E de mocádos? E um gupo de...? Safo-me com os enxames e bandos e matilhas e varas e rebanhos mas muitos não me lembro ou não faço ideia. Ele resume É uma família. Não tem outo nome.

sábado, 9 de dezembro de 2006

túnel


Sou uma toupeia!
Sou uma fumiga!

diálogos

(Eu com ele no quintal) Não, não mexas aí, vais ficar com as mangas todas molhadas, essa água está suja... Oh mãe, temo que compá uma blusa de borracha!
(No carro) Achas que é ali? Pai, não fala com a mãe. A mãe fala só com o Simão.
(As explicações do pai) Ela disse que está gorducha. O que é goduxa? É uma senhora anafada. Uma senhoa fada! Onde tá, a senhoa fada?
(Depois de lhe ralhar já não me lembro porquê) Oh mãe, não fica com essa cara de má...

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

golos


Não gosto nada, mas mesmo nada, de futebol. Não sei os nomes dos jogadores nem dos clubes nem dos treinadores; não sei quantos se esfalfam em cada metade do campo nem quanto tempo dura um jogo. Acho que nunca vi um quarto de jogo e não entendo uma palavra daqueles debates no antes e no depois. Quando há aquelas coisas muito, muito importantes assim tipo Euros e Mundiais (que não consigo ignorar graças à impossibilidade de não ver as bandeiras...) aproveito para passear-nos por praias desertas e ruas desertas e parques desertos e depois fugir para casa uns segundos antes da fúria dos carros e das buzinas. Isto tudo, claro, porque o puto ainda é pirralhinho e, graças a mim, não sabe nada de futebol, que daqui por uns anos não sei se me conseguirei livrar de bandeirolas na janela e fanzices em frente à televisão...
Ora não gostando eu nada de futebol parece que dei ao meu filho o nome de um futebolista. Não lhe dei nome de músico nem de matemático nem de santo, mas de futebolista. É que desde que ele nasceu não páram de me e lhe perguntar se é do Benfica e se gosta de futebol e se quando crescer vai ser como o tal Simão Sabrosa... E eu lá vou respondendo que ele é mais mãos e encestamentos nas nossas cabeças ou janelas ou galinhas e que até nem gosta nada de jogar à bola, com uns sorrisos amarelos e sem perceber porque insisto em explicar-me a estranhos. Entretanto e para me redimir das recusas e faltas de jeito concerteza congénitas para os pontapés, apresento-lhe um bisavô futebolista guarda-redes de primeira divisão que até saía no jornal e seduzo-o para jogos matinais no quintal.
E eu, que abomino futeboladas, agora até adoro jogar com o meu filho. E parece-me que ele também está a começar a gostar, a avaliar pelos decibéis das gargalhadas e dos gritos de golo...