sábado, 24 de novembro de 2007


Ele gosta muito do outono assim. Folhas no chão.
Amarelo e castanho.


Gosto muito do outono assim. Com sol. Frio. Sem chuva.
Azul, amarelo e castanho.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Tenho tantas saudades do pai, mãe. Não associei com as luzes furiosamente piscapiscantes de uma árvore numa montra que se nos atravessavam no caminho. Feias, as luzes, a árvore, a montra, tudo. Eu também, querido, também tenho muitas saudades do pai. Do pai natal, tenho muitas saudades do pai natal. Também tenho do pai, mas tenho mais do pai natal.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

antecipações

Cedo, parece-me sempre demasiado cedo. Para as luzes, para as estrelas, para os corredores de supermercado entupidos de brinquedos, para a abundância de anúncios a bonecas fascinantemente na moda e a carros maravilhosamente velozes. Sobretudo parece-me demasiado cedo para ter que começar a responder todos os dias aos Já é natal? Quando é que fazemos a árvore? Quanto tempo falta para o natal? E dezembro, já é dezembro? Quando é que vem o pai natal?

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

translação de afectos

Não quero ir, não quero, estou muito nervoso, não quero ir, se faz favor não quero ir, a repetição a musicar-nos os vestires e os calçares e as colheradas de pensal e as escovagens de dentes e os passos. Simão! Simão!, gritaram quando o viram entrar na sala, arrastado pelas minhas calças castanhas. E abraçaram-no. O meu miúdo no hipocentro de cinquenta e alguns braços e cinquenta e algumas mãos e vinte e muitos sorrisos. Tão bonito, o abraço colectivo!

domingo, 18 de novembro de 2007

tempestades

Se eu fosse dada a essas contas, tenho a certeza que somava pequenas imperfeições diárias em quantidades suficientes para perder os sonos. Acordares atrasados. Gritos matinais. Cereais trocados por iogurtes. Fruta trocada por iogurtes. Cabelos deslavados. Preguiças para descascar as batatas e as cenouras para a sopa. Dobras em vez de bainhas. Rasgões em vez de joelheiras. Almoço de sobrados do jantar do dia anterior. Palmadas. Roupa despassada a ferro. Sopa subornada com chocolatinhos azuis. Retardos a coser os nomes na bata e no chapéu e a forrar o dossier da escola. Nódoas. Unhas por cortar. Cabelos por cortar. Ralhos. Bocadinhos no meio dos dedos dos pés mal esponjados. Adormeceres atrasados. Se eu fosse dada a essas contas, tenho a certeza que somava pequenas imperfeições diárias em quantidades suficientes para me achar uma mãe muito imperfeita.

Mas não as contabilizo. E vou-me imperfeitando quase todos os dias, consolando-me na esperança de que o meu filho nunca tenha vergonha de se imperfeitar à minha frente.

As que contabilizo são as vezes em que ralho e palmo irritada, zangada, furiosa, descontrolada. Aí sim, tenho a certeza que sou uma mãe muito imperfeita. E perco os sonos.

sábado, 17 de novembro de 2007

dias em escuro

O pai desculpa-o com o ácido clavulânico, que a ele também lhe azeda os ânimos, mas isso é porque a redução das indelicadezas a uns minutos diários telefonados facilitam o ignorar-lhe os maus modos e a elaboração de justificações genéticas. Eu cá divido-me entre as desassiduidades na rua, que o médico na quarta prescreveu-lhe o prolongamento da reclusão até segunda, e as minhas desacalmias. Esvaziei o reservatório de músicas e estórias e livros e jogos e brincadeiras e paciências. Anseio por tempos e espaços só meus. E ele sente e oposita-me e provoca-me e desagrada-me. E grita. E eu impaciento-me. E grito.

Conto até trinta. Quando consigo.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

dias em branco

A senhora da farmácia, que na quinta passada misturou o pó com a água e lhe calou os queixumes doridos com os primeiros cinco mililitros e a promessa de um chocolate, reconheceu-nos enquanto esperávamos pelo bacalhau à brás que ele abomina quase mais do que lavar o cabelo. Então já não te doem os ouvidos?, perguntou-lhe no meio de um croissant de queijo e fiambre e de uma meia de leite. Ah, mas a mãe é que está com um ar muito abatido. Até parece que foi a mãe que esteve doente e não o filho. Sorri-lhe amareladamente enquanto guardava os trocos e encaixava o saco nos únicos dois dedos não ocupados com a mão do miúdo, a mala, a chave e a trela da cadela. Quinta, sexta, sábado, domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta. Nove dias inteirinhos com uma criança otitada e estranham-me os desânimos e os descorados...

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

o menino gigante


No nove um menino procura os pais de quem se desencontrou e vai ter a uma terra de liliputianos. Que, na sua pequenez, não o acreditam criança e o obrigam a trabalhar. No final feliz os pais aparecem o os minúsculos aprendem que os miúdos não devem trabalhar "antes de ter chegado à idade apropriada". Claro que ganhei argumentações com pequenezas e cansaços de cada vez que peço ajudas para pôr a mesa, mudar a água das tartarugas e encher a tijela da cadela de comida...

O menino gigante, J. L. Garcia Sanchez e M. A. Pacheco-texto, Carme Sole-ilustrações, Colecção Os Direitos da Criança, Edições Despertar

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

o menino chorão

Setenta e nove. Já é de setenta e nove, e acho que isso é o que me deixa mais espantada. Tantos anos a ter o nome em cartões de bibliotecas, tantos anos a preencher requisições, tantos anos a sentir o cheiro das folhas emprestadas e acho que nunca me cruzei com ele nem com os irmãos de colecção. Descobri-os agora, muito por acaso, e, aos pouquinhos, vou lê-los todos ao miúdo. Embora tenham lá escrito que são para meninos dos seis aos doze. Cada livro historia (ía escrever estoria mas o dicionário teima comigo que não existe e explica parece-me maçador e desapropriado) cada um dos Direitos da Criança:"A colecção Os Direitos da Criança são dez livros cujo objectivo é ilustrar cada um dos dez princípios do decálogo dos Direitos da Criança proclamados pela ONU em 1959". Nós começámos com o quatro, a estória de um bebé que vai acampar com os pais. Que deviam cuidar dele mas adormecem. E os animais tentam alimentar, tentam aquecer, tentam brincar... mas não conseguem que o menino pare de chorar. Muito bom para falar de como "a criança deve crescer amparada pelos pais e sob a sua responsabilidade, num ambiente de afecto e segurança". E de como as coisas podem (neste caso podiam) correr mal se os pais estiverem desatentos...

O menino chorão, J. L. Garcia Sanchez e M. A. Pacheco-texto, Carme Sole-ilustrações, Colecção Os Direitos da Criança, Edições Despertar

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Livros. São dias de muitos livros.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

no sofá já sabemos de cor


Estão dez amigos
todos num sofá.
Mas tão apertados
que não cabem lá.

O rato guloso
salta do sofá.
São nove os amigos
que ainda estão lá.

O coelho manso
salta do sofá.
São oito os amigos
que ainda estão lá.

O gato tigrado
salta do sofá.
são sete os amigos
que ainda estão lá.

O pato marreco
salta do sofá.
São seis os amigos
que ainda estão lá.

O porco roncando
salta do sofá.
São cinco os amigos
que ainda estão lá.

O burro, aos coices,
salta do sofá.
São quatro os amigos
que ainda estão lá.

A vaca leiteira
salta do sofá.
São três os amigos
que ainda estão lá.

A alta girafa
salta do sofá.
São dois os amigos
que ainda estão lá.

O grande elefante
salta do sofá.
Já só um amigo
ainda lá está.

João Preguição
fica no sofá.
Deita-se a dormir
e não sai de lá.

Todos no sofá, Luísa Ducla Soares-texto e Pedro Leitão-ilustração, Livros Horizonte

domingo, 11 de novembro de 2007

plasticinando


Plasticina aranhas, cobras com bebés na barriga, comidas, o planeta terra com lisboa que é aqui este pontinho verdinho pequenino, livros, tachos e carros. Esfriado com o barro, Não tem cores, mamã, é só castanho, plasticina manhãs, tardes e princípios de noite Ainda dá tempo fazer um bocadinho antes de ir dormir? Plasticina substituindo os requerimentos dos penúltimos modelamentos Faz-me uma árvore, Faz-me um ninho, Faz-me um pica-pau pelos exibicionismos Anda cá ver a linda lagartinha gorducha que eu fiz, Anda cá ver os trigémeos que nasceram a esta toupeira. Plasticina na mesinha cor-de-laranja do quarto dele, na mesa da cozinha enquanto eu lavo os pratos do almoço, na secretária da sala, na mesa do barro, no chão do quintal. Plasticina não sei se com aptidões mas com muitos agrados. E eu alivio-me com este repentino re-entretenimento porque tem-nos colorido e fantasiado estes dias de reclusão caseira.

sábado, 10 de novembro de 2007

Não há colherada de clavamox que não me deixe a cogitar que isto só com anti-inflamatório e analgésico ía lá...

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

desplaneada

Não tinha chegado nem há meia-hora e ziguezagueava pela casa em telefonices com o meu amor, quando o pi-pi...pi-pi... me interrompeu os planeamentos Agora bebo um café, aspiro e a seguir sento-me a trabalhar. A voz, murchinha, chorona, Mamã, doem-me muito os ouvidos, e depois a Maria, É melhor vir buscá-lo, ele está mesmo muito aflito. Lembrei-me logo das queixas matinais, Dói-me este ouvido, que desconsiderei por ter sido antecedida por um Dói-me aqui a unha do pai de todos e seguida por um E também me dói o cabelo, aqui atrás, vês?, que todos os pequenos-almoços lista padecimentos assim que lhe aparece a tijela de nestum à frente.

É o melhor, tem urgência de otorrino, e até lhe fica aí muito perto, aconselhou-me a enfermeira da saúde vinte e quatro que me auscultou as queixas e os choros já encaseirados do miúdo. Um despropósito, que devia era ter repetido o hospital lá de cima, que as urgências pediátricas são sempre aceleradas. Mas não, empurrei o miúdo, numa cadeirinha desutilizada há mais de um ano, a embater nos carros estacionados em cima dos passeios e nos caixotes do lixo atravessados em cima dos passeios e nos esburacados da calçada até ao hospital ali da rua de baixo. Que seria o melhor se a única funcionária do guichet não estivesse sem trocos para pagar à senhora antes e não tivesse que ir buscá-los a uma cafetaria concerteza muito longe e se não fosse só estar uma médica nas urgências porque os outros tinham ido beber café - concerteza na mesma cafetaria - e se não fosse não terem triagem,Tem que esperar, as urgências são por ordem de chegada. Vali-me dos choros estridentes Mamã, dói muito, ajuda-me (e não há nada pior do que ter um filho a chorar de dores e não conseguir fazer nada...), da simpatia dos outros doentes-não-tão-urgentes, e das duas colheradas de be-nu-ron e uma de brufen não terem resolvido a questão para ser atendida antes. É uma otite a começar nos dois ouvidos, disse a médica, ligeiramente alentejana, ligeiramente estridente, ligeiramente antipática. Ainda questionei o antibiótico Faz mesmo falta? De certeza?, que consegui que até agora tudo sarasse com maxilase, mas as recusas levemente irritadas da médica e o choro do miúdo amoleceram-me as persistências.

Agora sonha queixumes, aqui no sofá, embrulhado na minha manta verde, e eu não bebi o café nem aspirei nem me sentei a trabalhar. E acho que o infantário, no meio das (primeiro escrevi poucas, a seguir apaguei) coisas boas que tem, também me devolve um filho mais vezes doente que saudável. E isso não é uma desvantagem assim tão pequena...

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Otitou.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

o menino dos nove ofícios

E tocador de contrabaixo porque ainda é maior do que o violoncelo, mamã. E bombeiro. E fazer teatro em cima de um palco. E médico. E polícia. E trabalhar no computador. E fazedor de barro. E brincador, vai ser esse o meu trabalho, brincar. Escolhas normais para os quatro anos, parece-me.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

esférica ignorância - 2

Quando crescer vou ser fatebolista, mamã, participou-me, a desequilibrar-se com os puxões da trela, a caminho de casa. Saíu-me um Oh ligeiramente desapontado e lembrei-me de uma parvoíce que eu e o pai gracejávamos enquanto ele me cambalhotava na barriga, que isto não há como uma primeira gravidez para se apatetar, Desde que não seja cantor pimba nem futebolista pode ser tudo o que quiser. Futebolista, filho, não é fatebolista. Silenciámo-nos enquanto a cadela sorrateiramente tentava engolir umas metades de pão de leite deixadas aos pombos numa esquina. Mãe? Diz? O que é um futebolista? Então, é um jogador de futebol, uma pessoa que joga à bola. Ah, então não quero ser futebolista. Quero ser condutor de eléctricos, que não tem volante, só tem botões, é muito fácil.

esférica ignorância - 1

Lá na salinha seis, dos onze meninos, o meu miúdo é o único que não sabe quem é o José Mourinho. Devo preocupar-me?

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

mais desactualidades

Inutilizei nem sei quantos minutos a achocolatar as dez unhas que andam escondidas, que as que andam ao ar desengraçam com as cores e proscrevem-nas quase assim que secam. O miúdo investigou-me, curioso, quando ouviu o secador. Mas para que é que estás a pintar esses dedos que ninguém vê?

domingo, 4 de novembro de 2007

as pequenas memórias

Chamava-se Graciette, era assim mesmo, com os dois tês, que estavam coladas as letras nos vidros foscos do portão, Salão da Graciette, no meio de imagens de raparigas loiras e ruivas recortadas de revistas. Dona Graciette, Dona Bernardette, Dona Susette, havia tantas, lá na terrinha onde eu fui menina. Confusava-me, aquilo, nomes tão mal-parecidos, tão afrancesados, tão pouco acomodados a recém-nascidas. Olhava para as donas dos nomes e achava que tinham nascido já assim, com óculos, brincos de ouro, rugas, cabelos esbranquiçados encastelados à força de rolos e calores, chatas e velhas. Desimaginava-as meninas. Que aos quatro e cinco e seis quem tem quarenta e cinquenta é velho e nunca foi criança. A Dona Graciette cabeleireira tinha desalojado o carro de um marido invísivel da garagem e tinha lá espartilhado dois lavatórios, quatro cadeiras e mesinhas com espelhos e dois secadores grandes onde se encaixavam as cabeças cheias de rolos descorados pelo muito vento acalorado. E tinha quatro filhos. A Sãozinha, branca e insonsa, uns dois anos mais velha do que eu, com quem eu antipatizava profundamente. Um miúdo, acho que da minha idade, tão invísivel como o pai. Uma bebé. E depois uma miúda pequena e uma bebé. Havia sempre uma bebé, que mantinha as clientes distraídas a dar-lhe biberões de leite açucarado e a mudar-lhe fraldas e a evitar-lhe os dedos nas tomadas e nas tesouras e a fazer-lhe cucús durante as intermináveis horas de espera em que a Dona Graciette cabeleireira fazia o almoço e adiantava a sopa para o jantar e nutria a prole e lavava a loiça e varria a cozinha e estendia a roupa. A mim ordenavam-me que brincasse. Com a irritante Sãozinha, num quintalzinho nas traseiras, sombrio e soterrado por espadas-de-são-jorge, ou com a miúda que alegremente rasgava Marias ou com a bebé que tentava desesperadamente chupar o secador. E eu abominava as brincadeiras com aquelas miúdas desconhecidas, filhas da Dona Graciette cabeleireira, que às tantas encavalitava uma tábua de madeira nos dois braços da cadeira, me empoleirava lá em cima e, em quatro ou cinco tesouradas rápidas, me despojava dos tamanhos que já tocavam nos ombros e me reduzia a uma cabeça de menino. Para ficar forte, concordavam a Dona Graciette cabeleireira e a minha mãe, deve cortar-se curtinho. E todas as Primaveras, escrupulosamente, a minha mãe me levava menina ao salão de vidros foscos e me trazia quase-menino.
Lembro-me de uma vez desatar a chorar. Muda, quieta, que eu não birrava como o meu filho, melodramático, que escancara lágrimas, gritos e esperneamentos de uma vez só, sem conseguir conter os soluços enquanto os meus cabelos gradualmente atapetavam o linóleo azulado feio do chão. Lembro-me de me ver no espelho, mais de metade do cabelo amputado, a chorar, enquanto a Dona Graciette cabeleireira dizia Ai que vergonha, uma menina tão grande a chorar, e enquanto a minha mãe e as outras Graciettes e Bernardettes e Susettes velhas e chatas diziam Ai que vergonha, uma menina tão grande a chorar, e enquanto a Sãozinha de cabelo comprido e a miúda de cabelo comprido e a bebé de caracóis quase compridos me olhavam embezerradas. Odiei-as. A todas.

Na pré-adolescência vinguei-me e deixei o cabelo balançar-se até à cintura. Livrei-me para sempre do espectro da Dona Graciette cabeleireira com dois tês.

sábado, 3 de novembro de 2007

desactualidades

Adio. Vou adiando. Talvez quase tanto como o dentista e a ginecologista, que eu não gosto de exibir as partes de dentro a estranhos, nem mesmo quando estão de bata. Vou camuflando com ganchos e elásticos e tranças e apanhados os centímetros que começam a sobrar e vou-me repetindo Tenho que ir, mas hoje não que é sábado, deve estar muito cheio, a ver se segunda ou terça vou, tenho mesmo que ir. É-me quase penoso. Não é o agir em si, eu gosto das eliminações. O cabelo a escorrer a lavagem recente e a tesoura, o som da tesoura a prometer mudo-te o cabelo, mudo-te a vidinha. E encurto drasticamente comprimentos excessivos sem qualquer compaixão pelas pontas que se enlixam pelo chão. Antes mais, que agora o meu marido admoesta-me sempre com um Tu vê lá o que vais fazer que me modera as radicalidades. Eu não gosto mesmo é das pessoas. Desentendo-me. Ou eu sou má emissora ou eles maus receptores ou o canal tem ruídos a mais e volto, quase sempre, para casa insatisfeita não tanto com as alturas mas sobretudo com a forma. Mesmo depois de o molhar e deixar secar ao ar nunca era bem, bem o que eu queria...

Segunda fui cortar o cabelo. E expliquei-me muito bem explicadinha, Uma franja e por aqui e assim escadeado. Desconsolada, que o que eu queria mesmo era esbarrar num cabeleireiro a quem eu pudesse chegar e dizer Despenteado, um corte muito despenteado, que eu sou naturalmente despenteada, nem lisa nem encaracolada, e diferente, muito diferente do que está e que ele, sem duvidar nem pestanejar, me fizesse o corte ajustado aos meus ondulados e à minha vidinha. Despenteado, claro.

Quando o fui buscar o miúdo suspendeu as cantorias do Sol de Outono, outono, outono, sol doirado, doirado, doirado..., e estranhou-me uns segundos. Depois riu-se, empoleirou-se na cadeira para me fazer voar as pontas e rematou o acontecimento Estás gira, mamã, mas ainda está comprido, podias ter cortado mesmo curtinho...

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

árvore-fantasma

Olha mamã, esta árvole... árvore está vestida para o dia das bruxas!

dia das bruxas

Com os mesmos tamanhos que o meu filho agora tem, o um de novembro era o dia de finados. Não o dia das bruxas, que as lojas não alardeavam máscaras e a televisão, descolorida nas imagens e nos programas, não seduzia com abóboras e doces, e também não o dia de todos-os-santos, que muitos são milagreiros e a minha mãe queria o evento lúgubre e penoso. Tinha pai, avós, bisavós e mais três ou quatro parentes de graus confusos para cuidar e chorar no cemitério da terra pequena encostada ao rio grande. Eu, invulgarmente, ganhava espaços, que também havia muita informação para mexericar com as vizinhas que só achava uma vez por ano, e passeava-me, mais-ou-menos em liberdade, pelos idos dos outros, a ler nomes, a ver fotografias amarelecidas de inexistências e a imaginar vidas, estórias para as vidas já morridas. Sem medo, parece-me estranho agora, crescida, a ver-me pequena sem medo da morte, ali, naquele sítio desabitado por vivos, que depois em casa as covas e os bichos afligiam-me os sonhos e desacreditava do céu e das promessas de felicidades paradisíacas.

Duas meninas foram bruxas para a escolinha na quarta-feira, assim mesmo a sério, que uma até tinha vassoura (e varinha mágica!) e o meu miúdo voltou a falar do dia das bruxas e a dizer que para o ano também se quer macarar. Eu cá parece-me bem, que não o desejo numa infância tristonha e atormentada como a minha, e bolinhos e fantasias são mais ajustados do que campas e tristezas. Para o ano tornamos nossa a tradição e temos diabrete!

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

outra vez no museu da electricidade


Quase dois meses depois, feriadámos por , que o miúdo estava fartinho de se lamuriar que queria ir brincar outra vez. Não deixam de me espantar, as velocidades a que os crescimentos andam. Da outra vez colocou mãos, virou pilhas, acendeu lâmpadas e puxou cabos eléctricos sem grandes perguntas. Hoje arremessou-me perguntas sobre bons e maus condutores, caldeiras e carvão, polaridades e choques, éolicos e mecânicos. E ganhou-me sempre no jogo da glória. Sem batotar.