segunda-feira, 12 de março de 2007

a casa das papoilas


Apanhamos malmequeres (mal-me-qué, bem-me-qué, muito, pouco, nada, mal-me-qué, bem-me-qué...) e papoilas e azedas e minúculinhas flores lilases sem nome nos canteiros de terra do largo ali de trás. É um largo grande, entraseirado por sete ou oito prédios onde há sempre roupa de meninos a secar ao sol mas onde nunca há meninos a brincar. Pergunto-me sempre onde estarão os donos da roupa que descora nos estendais. Sempre nas escolas? Em frente à televisão? Já em frente ao computador? Não chegarão lá os ecos das corridas e dos risos do meu filho? Não terão vontade de brincadeiras aqui fora? É um largo bom para apanhadas e pedaladas e pontapés em bolas, não tem carros, tem árvores e dois laguinhos e um canteiro grande de terra que nestas alturas se perfuma de flores e de abelhas, mesmo a pedir que lá plantem uns baloiços e um escorrega. Ficamos por lá uns fins de manhãs e de tardes, ele a tricicletar rampas e a apanhar as "bolinhas" dos ciprestes, a cadela a cheirar presenças, eu a ler ou a pensar na vida. E às vezes apanhamos flores. O miúdo pergunta-me se gosto de malmequeres, se gosto de azedas, de quais gosto mais. As interrogações expectantes das minhas preferências para depois as fazer dele Eu também góto muito de malmequeres, eu não góto nada de utigas, as papoilas também são as minhas peferidas. Tenho vontade de lhe dizer que não precisa gostar do mesmo que eu, que o amor não é feito só de concordâncias mas também muito do respeito pelas discordâncias, e que ao longo da vida vamos, concerteza, ter muitas desopiniões e isso não nos deve léguar os afectos. Penso Devia traduzir isto tudo para linguagem de menino, flores-papoilas-preferidas nas mãos, e de repente lembro-me. Do terreno. Grande, uma tira larga, comprida. Mais que suficiente para lá crescer uma casa e um atelier e ainda sobrar muita terra. Um bocadinho elevado em relação à estrada de alcatrão, sem vizinhos à vista, com árvores e um poço. E papoilas. De uma ponta à outra, papoilas. Vermelhas, vermelhas, vermelhas. Cheias de sol e de promessas opiáceas de felicidade. O sítio mais que perfeito para viver, para trabalhar, para ter filhos, para os fazer crescer. Mas os bancos não percebem nada de flores. Só percebem coisas chatas como pouca idade, juntos em vez de casados, primeiros empregos, ausência de plafond para começar a construir... Com tantos entraves, tivémos que mudar os planos nas papoilas para outras terras nada floridas. Ainda sonho com elas, às vezes, vermelhas, tão vermelhas. E pergunto-me como seria a minha vida, a nossa vida, lá, se o meu filho seria diferente, se nós seríamos diferentes, lá, na casa das papoilas...

Trazemos os cheiros para casa, florimos jarras e garrafas, colorimos parapeitos e mesas. Prometo-lhe Um dia destes compramos uma terra cheia de papoilas, fazemos uma casa, mudamos, queres? Sim, mãe, quéo, quéo muito!

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