domingo, 8 de abril de 2007

da páscoa

A Páscoa da minha infância eram aquelas amêndoas multicolores e rijas, que deixavam incómodos entre os dentes e fomes de doces-a-sério. E eram os ovos, os ovos cozidos que era preciso comer a seguir à última fatia de folar, ressequidos e amarelecidos dos calores do forno. E era a carne, seca, sem molho, carne de animais bebés, o que sempre me dificultou as mastigações, cabritos e cordeiros e vitelos, o serem ainda de leite rotulado como virtude, que se o miúdo não fosse tão avesso a vegetais e a sojas e a tofus e seitans voltávamos à ausência quase total de carne dos anos sem filho. E era a procissão, mesmo, mesmo ao lado de casa, com as velas a iluminarem a escuridão e as figuras em lágrimas sofredoras a inspirarem temores. E os filmes, eram também os filmes que passavam a horas próprias para as crianças os verem, um agonizante martírio de um jesus ensanguentado a arrastar uma cruz pesadíssima e a ser apedrejado e coroado com espinhos e martelado com pregos e a morrer de dores. Durante anos tive pesadelos com esta via-sacra pascal e desconfio que as visões das procissões e dos filmes a juntar às enfastiantes sessões de catequese aos sábados à tarde contribuíram muito para esta minha ausência das igrejas, para não ter baptizado o meu filho e para não o desejar na catequese daqui por uns anos.

O meu miúdo, como se tivesse herdado, juntamente com o feitio dos olhos, os meus desgostos, fica intratável nestas datas. Talvez por olhar para o forno antes de lhe responder ao ecoado Mãe, mãe, mãe, mamã, mamã... ou por repetir várias vezes Agora não posso, querido, tens que brincar sózinho, recebo de volta birras e irritações e gritos e tortices e nãos. Ele não há coelho nem ovos nem prendas nem ralhos que nos aligeirem os maus-feitios... A ver se para o ano é melhor...

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