sexta-feira, 28 de setembro de 2007

do que não muda

Hoje estava um amola-tesouras na rua ali detrás, onde antes muitas vezes amanhecíamos com a Doris e onde agora muitas vezes entardecemos com ela. É uma rua apertada, que não vai ter a sítio nenhum, de um lado quintais e do outro um seguimento de casas baixinhas. Imagino-as frescas, às casas, com uma cozinha desafogada e um quintal nas traseiras bom para fazer crescer um limoeiro e cheiros para o jantar. Às vezes há velhotes sentados nos degraus da frente que me dizem Boa-tarde, menina, esse cão tão grande não morde no menino?, e há uma gaiola com um canário e uma gata malhadinha que nos analisa em sustos de uma janela. E há ainda a buganvília, verde e rosa forte a agigantar-se de uma parede, e o miúdo apanha sempre raminhos Toma mamã, para ti, que nos matizam jarras e copos pela sala e cozinha e mo recordam enquanto ele medra na escola. Uma rua alentejana escondida no meio da cidade grande. Hoje estava lá um amola-tesouras. Com a bicicleta e a música, que eu gosto tanto da música, lembra-me as (mínimas) partes doces da infância, o ir a correr com a tesoura desfuncionante, ficar a ver os giramentos, voltar a correr e dividir o papel na perfeição com o que antes já só rasgava. A água que aparecia um ou dois dias depois. Magia, o amola-tesouras era um dos mágicos da minha infância, curava tesouras e convocava nuvens. Sorri-me e interpretei-o ao miúdo. Sabe, a minha avó dizia sempre que os amola-tesouras trazem a chuva, disse-lhe, com pena de não ter em casa uma tesoura avariada. Um céu asseado, despovoado de cinzentos. É coincidência, menina, coisas que os antigos diziam. Espantei-me. Eu aqui a oferecer-lhe poderes quase divinos, influências climatéricas, e o homem a desdenhar responsabilidades com as pluviosidades. Desconsolei-me. Um amola-tesouras que não faz a chuva comparecer não é um amola-tesouras.

Já em casa o meu marido recém-chegado dos trezentos e muitos quilómetros que nos solitarizam as semanas riu-me Então os amola-tesouras em Lisboa são urbanos, está-se mesmo a ver que não querem ter nada a ver com essas crenças campestres! Desconsolei-me outra vez.

Acabei de ouvir as previsões. Dão chuva para o fim-de-semana. Afinal há coisas que não mudam. Afinal posso perdurar estes encantamentos mágicos no meu miúdo. Sabes porque é que amanhã vai chover, querido? Por causa daquele senhor das tesouras que estava ali na rua das casinhas...

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