sexta-feira, 27 de junho de 2008

encerramento

Chegou-me há dois ou três dias em jeito de manjerico de cartolina e papel de seda. Nem lhe perguntei se tinha sido ele a fazê-lo que o O que é isso que a Maria te deu? quando começámos a descer as escadas respondeu-me logo em antecipação. Já me habituei, a estas manufacturas de natal e páscoa e carnaval e dias de pai e mãe e convites menos de um quarto feitas por eles. Confusa-me um bocadinho, pensar que em mais vinte e cinco casas há girassóis e caixinhas e manjericos gémeos dos meus, com as letras desenhadas da educadora a imitarem as grafias antigas da primária. Eu cá preferia um desenho, como os que todas as tardes me enchem as costas de papéis que já não servem, o quadro mágico e o chão do quintal, em que as mãos feitas sóis e o simão com o ésse deitado e o til encavalitado entre o a e o o não me deixassem dúvidas sobre as proveniências. Para o agrupar com justeza aos muitos que vão enchendo a caixa dos riscos de menino. Assim nunca sei muito bem o que fazer a estes tarecos que sei muito ajudados e pincelados e colados com instruções precisas para "ficar bonito" e "não sair por fora" e "não borrar".

Levei-o de branco e azul, como lá pedia, e fomos, que achei feio argumentar calor a mais e falta de vontade para descomparecermos. Eu não gosto disto. Das reuniões, das festas, da obrigação de sorrir e estar com adultos que desconheço e que daqui a menos de um mês provavelmente nunca mais vou ver. Intimido-me. Desconforto-me. Calo-me muito. Falta-me a mão do pai, para não me sózinhar tanto no meio das famílias de dois pais, irmãos, às vezes quatro avós e meia dúzia de tios e primos e amigos. Somos poucos, nós, lembram-me ainda mais estas circunstâncias.

Os miúdos enfileiraram-se confusamente num arremedo de marchas populares, debaixo de um sol abrasador e de uma música escandalosamente ensurdecedora, balbuciaram umas palavras confusas que deviam rimar, limpar com cantar, coração com mão, adeus com olhos teus, essas coisas assim, tropeçaram nos passos dos da frente e do lado, muitos dos mais pequenos encolheram-se e choraram quando viram aquela multidão de objectivas a tentar captá-los sorridentes e bem-dispostos e bem-ensaidos. O meu miúdo sorriu-me e acenou-me muito, num óbvio falcatruar do preparado, de braço dado com uma Cláudia amuada porque a mãe não chegou a tempo. Senti vontade de chorar, ali debaixo dos trinta e tantos graus escaldantes, pelos crescimentos e sorrisos felizes do meu filho e pelos não-sorrisos dos meninos que procuravam os pais sem os verem. Esquecem-se, as educadoras, que há pais que não conseguem estar, e que isso deve custar muito. Depois deixei-o correr por ali um bocadinho, esforcei uns sorrisos e comentários, desembrulhámos umas rifas despremiadas e escapulimo-nos da música estridente e do caldo verde e sardinhas que pressupunham horas e cavaqueiras. Refugiámo-nos nas sombras do parque, barulhento só de risos e vozes de meninos desconhecidos. E enquanto o via baloiçar e escorregar contente, protegida pela magnólia que cada dia floresce mais pétalas brancas, perguntei-me das utilidades destes eventos. Os miúdos não me pareceram especialmente contentes nem divertidos. Os pais e as mães pareceram-me especialmente preocupados com as fotografias. As educadoras pareceram-me enervadas e esfalfadas. Brincar livremente o fim-do-ano não seria mais divertido - e fresco - para todos?

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