terça-feira, 25 de novembro de 2008

espólios dos dias

O miúdo aglomera na mesinha cor-de-laranja despojos de quase todas as saídas. Posso levar isto para casa para eu brincar, mamã? pergunta de paus, pedras, flores, folhas, moedas, conchas, partes de brinquedos e outras inutilidades. Vou inspeccionando sujidades e arestas ameaçadoras e cedendo, algumas vezes muito contragostada, que nãos a mais já eu lhe repito os dias inteiros, e tolerando, junto com caracóis, lesmas, formigas e aranhas um sem-fim de inanimados que se vão amontoando e roubando o espaço para desenhos, plasticinas e auto-estradas. E porque me lembro das minhas tristezas com uma vassoura crescida e impiedosa que me levava para o lixo os tesouros que eu resguardava de críticas debaixo da cama. E também porque lhe reconheço os genes paternos na mania do isto pode dar jeito e os maternos no hábito de guardar memórias de filmes e livros e ocorridos. E ainda porque algumas coisas acabam mesmo por dar jeito para as manualidades que muitas vezes nos preenchem os bocadinhos depois do lanche e antes do banho.

Mas o miúdo, nisto como em quase tudo o resto, é um exagerador. E quando o cor-de-laranja desaparece debaixo de quase arranha-céus de disparidades lá lhe aponto os excessos. Devolve os bichos ao quintal, cola e pinta folhas e paus, embalda no lixo o que não serve mesmo para nada e no dia a seguir começa a amealhar novas existências. Olha esta pedrinha tão bonita que parece mesmo um barquinho!

Este domingo, junto com as costumeiras conchas e pauzinhos e pedrinhas, vieram da praia um tubarão-baleia e um tubarão-raia porque coitadinhos, estavam lá sózinhos sem família e o cardume não queria brincar com eles. À noite ouviram a estória, tive que lhes desejar Uma noite feliz, não caiam da cama e não partam as barbatanas e partilharam sonhos debaixo do edredão azul dos bichos. Repartem as torradas do pequeno-almoço. E há dois dias que vão à escola, muito bem escondidinhos no bolso do bibe para os outros meninos não verem e não gozarem. E agora, enquanto a sopa de cenoura e abóbora ferve, estão ali no banho a trialogar sobre as necessidades de se esponjarem para não ficarem sujos...

Inaugurámos os amigos imaginários.

Sem comentários: