quinta-feira, 27 de novembro de 2008

menino

Nem sequer é o usual Ai um casalinho é que é bonito ou o também comum Já tenho o menino, agora que venha a menina para ser diferente. Não. Não é isso.

Nunca me meditei mãe de meninos. Historio-me toda no feminino. Avó e mãe omnipresentes, pai ausente, tias, primas direitas e tortas, filhas de primas direitas e tortas. Os masculinos ou tinham morrido ou trabalhavam longe ou guerreavam em África ou distanciavam-se despropositadamente. Se calhar por isso só nasceram meninas na família. Habituei-me aos finais em a, achei-me parte de um qualquer destino e calculei-me também eu mãe de meninas.

E as miúdas são giras. Quer dizer, têm roupas giras e sapatos giros e collants às bolinhas e totós e trancinhas, ganchinhos e elásticos e malinhas. E depois imagina-se que crescem e partilham segredos e compras e sentimentos, se calhar até não é assim, mas imagina-se. Os miúdos têm que se engangar e sweatar para se engraçarem. E depois imagina-se que crescem e só querem sair à noite e falar de miúdas e não querem mães por perto a recomendar sopas e casacos para o frio. Tolices.

E o meu puto foi difícil. Foi muito difícil. Ainda é difícil. Agora, que a distância dos choros constantes já me trouxe segurança e que já aprendi a conhecê-lo, rosno às afirmações de Os bebés não dão trabalho nenhum. Mentira. Os bebés são todos diferentes. Há-os calmos, há-os chorões, há-os despertos, há-os encolicados. O meu chorava e esperneava e destapava-se e não dormia e berrava dias e noites e trampolinava a cama e eu tinha que ouvir Isso é fome, Isso é sede, Isso é calor, Isso é frio, Isso é das roupinhas ficarem estendidas ao luar, Isso é bruxaria, toda a gente muito sabedora a desesperar-me ainda mais a incapacidade para acalmar aquele meio metro de gente que parecia desprovido de um único gene meu. Que quando os filhos não são nossos é fácil saber tudo e opinar sem ser pedido. Afinal não era. Nem fome nem sede nem calor nem frio nem roupas luadas nem bruxaria (acho eu). Era (mau) feitio. E cólicas. E impulsividade com nome de patologia. E nenhum dos desconselhos me serviu de grande coisa. Acho que associei o masculino a isso, uma criança radicalmente diferente de mim. E a uma maternidade difícil. Mais tolices.

Por isso, ainda mais do que da primeira vez, suspirava por uma terminação em a. Lá no fundo intuía-o o mas esperava-me enganada. Quando o médico o confirmou saí do consultório a consolar-me com as vantagens. Herda a roupa do irmão, partilha o quarto, brinca às mesmas coisas. Um rapaz até dá mais jeito, a espreitar com pena os cor-de-rosas nas lojas.

Mas está bem, o puto, do que se vê. Vinte dedos, dois olhos, um nariz, uma boca e uma série de orgãos todos crescidos de acordo com as semanas. E isso é o mais importante. E agora que já não me anseio nos Será menina? estou contente. Muito contente. E já deixei de espreitar com pena para os cor-de-rosas nas lojas.

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