terça-feira, 30 de junho de 2009

saudade

No sítio que era o preferido da minha gata esverdeia-se e perfuma-nos agora o manjerico que no princípio do mês veio connosco da Estrela. E as senhoras que vão à mercearia do Senhor António ensacar meia dúzia de bolas de mistura e um raminho de salsa estacionam-se em frente aos vidros sempre enodoados de dedos pequeninos e dizem Olha um manjerico tão grande e bonito!, tal como antes paravam e diziam Olha um gatinho! O manjerico, claro, não responde em língua de gente mas envaidece-se com o grande e o bonito e trata de se engordar e florescer minúsculas pétalas brancas, que toda a gente sabe que os manjericos apreciam afagos e elogios. Já a gata respondia, com miaus bem-educados e cabeçadinhas nos vidros embaciados, pelos vistos despreocupada com as inversões de género. Olha, olha, tão simpático que é o gatinho!, acrescentavam as senhoras, saco das bolas de mistura e do raminho de salsa na mão esquerda, mão direita a batucar o vidro no sítio da cabecinha e das orelhas e das costas encurvadas. Adeus gatinho! Adeus Senhora, diria a gata se conseguisse conjugar as sílabas todas das pessoas. E depois desamparava a caminha aos corações e ocupava-me o colo com miaus e ronrons a contar os sucedidos, das senhoras e dos carros que teimam em atrapalhar os caminhares nos passeios, do Senhor António a resmungar com os miúdos da Casa Pia que lhe roubam as laranjas e as maçãs cá de fora e dos pombos que todos os dias debicavam as migalhas do pequeno-almoço e do lanche que eu me habituei a sacudir em frente à janela porque sabia que ela gostava de os ver. Miau, miau, dizia-lhes ela. Crrrt, crrrt, arrulhavam-lhe os pombos catando na calçada os restinhos de pão torrado.

Hoje uma das senhoras, rama de dois alhos franceses a crescer do saco numa das mãos, dedo indicador da outra mão encostado ao vidro empoeirado, esqueço-me sempre de limpar os rastos da chuva e do doce de morango, substituiu os já habituais louvores aos verdes e aos tamanhos por um Nesta janela havia um gatinho muito bonito e simpático. Estava doente, deve ter morrido, que a caminha já aqui não está há muito tempo. O manjerico encurtou as folhas espevitadas e presunçosas, arreliado com a ausência de protagonismo, e eu fiquei cheia de saudades da minha menina-gata.

2 comentários:

Anónimo disse...

E eu que não a conheci mas que muito dela já ouvi falar fiquei com saudades desses dias...dos sons ronroneiros da menina-gata.

Um beijo enorme a todos e até breve.

Florbela

ângela disse...

Nós é que já estamos com saudades do jardim e de estar com vocês...
Beijinhos.