terça-feira, 7 de julho de 2009

baralha e volta a dar

E de repente, com os seis anos e os começares da primária já agendados, toda a gente me recomenda actividades. Actividades, as crianças nesta idade precisam de actividades para além da escola. Um desporto é o mais indicado. Natação é muito bom, diz a pediatra, estetoscópio a confirmar saudáveis as batidas aceleradas do coração sempre apressado. Um desporto de equipa, tem que ser de equipa. Karaté ou râguebi de preferência, é o mais indicado para estes meninos que gostam de sensações fortes e de embate, diz a doutora Paula, médica que não espreita para os ouvidos nem receita xaropes mas brinca pelo tapete com comboios e robôs. Ou ir para os escuteiros, fazem imensas coisas na natureza, têm muitos encontros e saídas até nos fins-de-semana. Ele para o ano vai precisar de ter uma actividade, diz a educadora. Um desporto, de preferência. Ou interagir com cavalos ou golfinhos. Ouvi dizer que é muito bom, acalma-os imenso. Não vai querer actividade nenhuma depois das quinze e trinta?, incredulizou-se a funcionária que me acolheu o envelope da inscrição no primeiro ano. Olhe que eles gostam muito e faz-lhes bem. Soam-me um uníssono tão afinado que chego a fantasiar segredamentos, telefonemas e conspirações.

Tento explicar. Natação parece-me bem. Saudável e tal. Mas não gosto nada de râguebi. Nem de karaté. Temo os pontapés e os encontrões, inquietam-me as fracturas e as nódoas negras. Os escuteiros têm os catolicismos que se desencontram com as descrenças cá de casa. E não quero que mo roubem aos sábados e domingos. Cavalos?!? Onde? E quanto? Golfinhos?!? Onde? E quanto?

Tento explicar. Quero que seja ele a escolher. É claro que não é assim tão simples e eu vou influenciá-lo, porque os pais preponderam nas inclinações dos filhos. Inevitavelmente. Mesmo sem querer. Mesmo com as afirmações Eu quero que seja ele a escolher uma coisa de que goste mesmo que eu não goste da coisa, eu sei que o influencio. Todos os dias. Com o que digo, com o que faço, com o que gosto, com o que oiço. Com os genes. Vai haver sempre ali um limite muito indefinido entre o que ele gosta por ele e o que ele gosta por mim.

Tento explicar. E o tempo. Depois há o tempo. Ah, o tempo. Tempo para brincar, para conversar, para plantar hortelã e coentros, para achar bichinhos-de-conta, para escorregar e baloiçar, para encaminhar a Doris, para escrever e numerar os trabalhos de casa, para ler livros, para ir à biblioteca, para teatralizar os gugus e dádás do irmão, para dizer Não sei o que fazer. Para sermos família. Eu quero-nos com tempo. Todas as tardes e não só ao sábado e domingo. Não me consigo ver a motorizá-lo. Carros, pressas, mochilas de mudas, cansaços, irritações.

Tento explicar. Há o que eu receio e não gosto. E há o que ele gosta. E há a escolha. E há a família. E há o tempo. Sobretudo o tempo.

Depois respiro fundo. E desisto de tentar explicar.

Simão, gostavas de fazer alguma coisa a seguir às aulas? Um desporto, tocar um instrumento,...? Talvez. Sim, natação. Ou ginástica. Ou aprender violoncelo... Mãe? Sim? E teatro? Há escolas de marionetas? Isso é que eu gostava mesmo, mesmo, mesmo de fazer. Marionetas.

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