quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

a primeira filha


Passei pela infância sem animais. Cães e gatos eram criaturas inadmissíveis numa casa que se queria limpa e arrumada e sempre pronta para as eventuais visitas. O muito trabalho e os pêlos e as doenças e os xixis e os cocós e as mais que certas roeduras em pernas de mesas e cadeiras eram argumentos maternos omnipresentes assim que me aventurava nuns tímidos Mas eu gostava tanto de ter... São terríveis, os erros e preconceitos com que se embotam os afectos nascentes e preparadinhos para crescer das crianças. Tão terríveis que, muitos anos mais tarde, esquecida das vontades de menina, ouvi-me a dar as (mesmas) respostas dos pêlos e arranhões em sofás e cortinas à amiga que nos surpreendeu com um Vocês não querem uma gata? Razões desargumentadas no segundo em que a insignificânciazinha minúscula e peluda e miona e linda se me enroscou nos braços e parou de choramingar, como se nos estivesse destinada. A somar às pequeninas ronronadelas, a ex-dona calculava-lhe o dia do nascimento no mesmo em que dissemos sim um ao outro e não se tinha deixado roubar por algum maldoso que não lhe viu a mãe rafeirinha tricolor e a julgou gata de raça cara. Pediu-nos a moeda mais pequenina da carteira porque Não se dão cães nem gatos, pagam-se para dar sorte. E deu. Muita sorte. Vinte e cinco tostões por um lugar no coração...

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