sábado, 21 de abril de 2007

quem vê anúncios não vê casas

Vendo bem, bem as coisas, até nem se portou mal e acho que até birrou menos do que aqui por casa, considerando que andou empurrado e arrastado colinas abaixo e colinas acima em buscas de um rés-do-chão com quintal, tarefa quase inconcretizável em meia dúzia de dias. Valeram-nos os pombos, esses incríveis bichos urbanos, sempre à espera de serem alimentados e perseguidos, e os escorregas e baloiços onde ele aproveitou para fazer novos amiguinhos enquanto nós nos afadigávamos à volta de jornais e mapas, quase-turistas não fora o desalento pelos não-achados. E ganhou uma constipação, culpa minha, que mochilo tudo e mais alguma coisa, canetas, cadernos para desenhar, iogurtes e barrinhas de cereais, calças a mais e carrinhos, e não tinha um casaco, confiada nos repentinos vinte e muito graus, quando o miúdo adormeceu todo suado na cadeirinha, Almirante Reis acima, depois de tentar agarrar e nutrir com migalhas da Triunfo dezenas de pombos no Camões. Nem uma fralda de pano, nem uma manta nem nada, que ele já não me dormia na cadeira há anos, o meu bebé grande, pés e pernas e cabeça a sobrarem, corado e sorridente a apanhar frio, culpa minha, mãe descuidada.

Vamos ficar nesta casa, mamã?, perguntava-me no fim de cada sala-quarto-cozinha-wc, sem reparar nos meus horrorizamentos, subsubsubcaves desarejadas, janela de vizinhos com vista para a casa-de-banho, portas da rua onde não cabe um sofá, quartos debaixo de escadas, eu nem sei, que as noites mal dormidas e os calcorreamentos Bairro Alto-Graça-Alfama-Mouraria-Castelo às tantas toldaram-me as capacidades de escolha e estive mesmo ali à beirinha de não pedir mais uma noite na recepção e de voltar desistente e deprimida para a terrinha. Incríveis, os sítios em que as pessoas moram no centro de lisboa. Incríveis, as pessoas que mostram casas. Uma delas optou por falar-nos de auras e vidas passadas e espíritos insatisfeitos, no meio de uma casa labiríntica de cozinha-às-metades e casa-de-banho-às-metades, a bizarrice máxima no meio das bizarrices menores que agora me fazem rir mas a meio, conviventes com dores de cabeça e de pernas, já só me deixavam em desanimadas irritações.

No último dia pesou-nos a consciência, coitado do miúdo, ranhoso, tússico e febril, a Benuron e Vi-Dailin, arrastado de anúncio em anúncio e ainda em contentamentos porque subiu o elevador da Bica e porque o Metro tem muitas escadas rolantes, e escondemo-nos da chuva no Aquáio Vaca da Gama, Não é vaca, filho, é Vasco, Ah, Vaco da Gama, que ele adorou, claro. Saí de lá semi-rouca por ler tanto nome de peixe e responder a tanto poquê, salamandra, peixe-sapo, tubarão-martelo, pelicano, que o miúdo quer ver tudo devagar e com explicações copiosas, correrias desenfreadas e gritarias estridentes paralelas a interesses calmos, a rapidez com que ele se bipolariza deixa-me sempre sem fôlego. Pena os aquários estarem um bocadinho altos, que se fartou de esticar e queixar que não via, mas os interruptores que acendem informações a que já chega compensaram-no das más visibilidades.

E a seguir encontrámo-la. Numa das zonas de lisboa de que mais gostamos. Vitória, vitória, agora é que vai começar a estória.

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