domingo, 9 de dezembro de 2007

simão sem medo

E depois foi tão, mas tão valente. Ele, que sonoriza ais doridos em volumes inconcebíveis para lavar o cabelo e para cortar as unhas e para deixar o otorrino iluminar-lhe os ouvidos, minúsculo na cadeira de rodas dos crescidos, a esticar sem receios e sem queixas o braço para os raios-xis e a bombardear a enfermeira com porquês. Se aquilo era uma máquina fotográfica gigante, se depois a ligavam por um fio ao computador para ver as fotografias, para que serviam os tubos e os botões. Borracho, chamou-lhe ela. No meio das urgências de ortopedia, com velhos acamados e esquecidos pelos corredores, enfermeiros de ares apressados e desinteressados, bombeiros a prioritarem acidentados pelo meio das esperas, ela respondeu-lhe às curiosidades e chamou-lhe borracho. E depois o médico, novo, novinho, sossegou-me. Que é uma fractura pequena, tão pequenina que na radiografia que lhe vai deixar prescrita para os seis nem uns restos se vão vislumbrar. E pôs-lhe o gesso, a explicar-lhe procedimentos e tesouras curvas e ossos e ainda lhe ofereceu no fim umas luvas e um rolo de ligadura. Para brincares aos médicos lá em casa, tu queres ser médico quando cresceres? Não, eu vou conduzir um eléctrico daqueles modernos, é só com botões, é mais fácil. Simpático, o médico novinho. E disse-me que ele teve sorte. Que podia ter sido a cabeça, a clavícula, ou um úmero ou tíbia ou fêmur que podia exigir operações posteriores para voltar a funcionar. Que todos os dias, mas mesmo todos os dias, lá chegam miúdos magoados nos escorregas e nos baloiços dos infantários. Que as pessoas não imaginam as gravidades e os riscos. Que devia ser proibido, escorregas e baloiços nas escolas. Não me sossegou. Apreensou-me ainda mais.
Mas foi tão valente, o meu menino. Encolhido na cadeira de rodas dos crescidos no corredor desolado de braço encostado ao peito Não chores mamã, que quando não mexo não me dói.

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