quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

a outra

Sobre a outra, mais reduzida em dimensões mas mais aumentada em anos, é que reparo que quase nada me alongo por aqui. Penso, muitas vezes, que tenho que a escrever, e fico estranhamente despalavrada. Sobram-me muitas imagens, que a pequena é fotogénica, mas escasseiam-me os discursos.

E no entanto há tantas miudezas de todos os dias que me apetece frasear. Como se tem indo extraviando o Tai, nome primeiro, e como tem ganho uma série deles com o andar dos tempos e das intimidades. Maria Gata. Menina Gatinha. Gata Suricata (por os semelhar no ficar de pé para acolher festinhas). Gata. É, muitas vezes, a Gata. Viste a Gata? Já deste comida à Gata? Gata Gatota, Gatotinha, Gatoca, Gatoquinha, lengalenga ele para ela. Como é faladora. Fala tanto, desde gatinha, que toda a gente que vem cá a casa se desprevine com as vogais certinhas nas palavras. Ião para Simão, ãos zangados para as escovadelas desembaraçantes de nós nos pêlos, éo para quero comida. Adoptámos-lhe alguns discursos. Sou eu, sou eu a dar-lhe o éo, grita-me o miúdo zangado quando o despromovo do encargo a seguir ao jantar. Intuitiva, orienta a cabeça para o telefone uns segundos antes do som, bate-me com a almofadinha na cara mesmo antes do despertador me estorvar os sonhos. Salta-me para o colo assim que me sento. Sopesa-se-me nas pernas a maior parte das vezes que aqui escrevo.Dorme comigo. Eu, que em miúda pensava que desengraçava com gatos, tenho uma sempre a aquecer-me as noites. No verão fora, no inverno dentro. Quando o miúdo cá morava e crescia ela ronronava para as agitações da barriga. E nunca produziu ciúmes pelos que foram chegando, nem quando ele, bebé, ocupava todos os tempos, todos os colos e todos os silêncios.

Há gestos que se rotinam há quase doze anos e que continuam a pôr-me em sorrisos. O esquecer-se da língua de fora quando suspende as lambidelas. O corpo imóvel com as orelhas a cataventarem a imensidão de minúsculos ruídos da casa e da rua. Os olhos redondos de susto. As posições contorcionadas para se aproximar de pêlos fora de língua. O morder e agarrar a lã cor-de-rosa com que o miúdo lhe atrapalha os sonos na janela. O correr atrás e futebolar a bolinha branca que nos pingue-pongueia ligeira e sonoramente a casa toda. O saltar para a cama dele na hora das estórias da noite. Os ronronares. Os ronronares tão perseverantes.

Não me imagino sem ela. Não nos imagino sem ela.

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