domingo, 25 de julho de 2010

o homem que via passar os comboios.

Foi ontem. Reparei-o assim que chegámos ao jardim, que isto de agora sermos sempre os últimos a desamparar os sítios dispersa as multidões e destaca os solitários. Já deixei há muito de me apoquentar com as desrotinas e os deitares tarde dos miúdos, que um está de férias e o outro vive de férias. E é verão, os calores exageram-se, eu dificulto-me entre uma barriga que ouve o tempo todo Então, isso está mesmo quase, não é? e uns pés inchados e por isso reorganizamo-nos em função dos frescos e das sestas do pequeno. Mesmo que isso implique sobrecargas com jantares, prescindir do banho e chegar a casa às desoras a que no inverno já dormem com o pequeno já adormecido no carrinho. Por isso já o tinha avistado quando chegámos ao jardim, que já só sobravam menos de meia dúzia de tardios. Tínhamos acabado de bisar OsGemeos (tal como há uns tempos fizemos com a Joana) no meio de muita bateria ruidosa e teclagem desarmoniosa e de nos deliciar com o submarino e embora a lua já se arredondasse no céu ainda nos relvámos no meio das oliveiras para eu iogurtar e embolachar o pequeno enquanto o grande reconstruía as pedras do lago. E ele estava lá, sentado no muro, sózinho, fixo nos comboios. E, de repente, quando já nos abalávamos, carrinho mais trotinete mais mochila, Anda Simão que o mano já comeu e está a ficar tarde, o homem enfiou a cabeça nas mãos e desatou a chorar. Alto, muito alto, como não se está à espera que um homem crescido chore no meio de outras pessoas. Mamã, o que é que aquele senhor está a fazer? Parei. Vou lá ou não vou? Está a chorar, filho. Será que bebeu, que tomou alguma coisa, que é louco? Que mania de pejorarmos o desabitual. Deve ter algum problema. Vou lá ou não vou? Segura a trotinete e o carrinho do mano e não saias daqui. Ouviste? Não saias daqui. Desculpe... posso ajudá-lo? Uns cabelos ondulados já com brancos, um rosto harmonioso, uns olhos claros, bonitos. Pareceu-me, que já estava escuro mesmo com aquela lua grande e redonda no céu a aclarar tudo. Desculpe, posso ajudar nalguma coisa? Não, não, não, deixe-me sózinho. Outra vez a cabeça nas mãos e os soluços altos, sérios, tão desesperados. O que é que o senhor tinha, mamã? Está triste filho. Viemos embora, calados, com o choro a acompanhar-nos ainda um bocadinho do caminho. Eu não sabia que as pessoas crescidas também choram assim como os meninos. Choram sim, filho, as pessoas crescidas também choram como os meninos. Só que a maior parte das vezes choram para dentro, com vergonha que os vejam e oiçam.

Devia lá ter voltado. Devia ter-me sentado ao lado do homem que chorava com um pacote de lenços de papel e ter esperado. Ou então ter-lhe dito Não, não quer ficar sózinho, senão estava a chorar dentro de uma casa ou de um carro. E não se iluda com os miúdos, a barriga e este colorido alegre do vestido. Tenho dois filhos cá fora mais dois cá dentro para criar e estou a ter uma semana muito difícil. Por isso eu percebo e posso ajudar, que só não estou a chorar assim sonoro e desavergonhado porque tenho ali dois miúdos que precisam dos meus sorrisos e dos meus cuidados. E venha lá para a relva que este muro é demasiado alto. Devia lá ter voltado.

Ainda não consegui parar de pensar no homem que chorava.

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